http://www.moviesfoundonline.com/man_who_planted_trees.php
Belíssima animação canadense.
Infelizmente não achei nenhuma versão dublada ou com legendas em português.
Lucia Sasaki
sábado, 15 de novembro de 2008
terça-feira, 14 de outubro de 2008
Infoeducação: saberes e fazeres da contemporaneidade
Infoeducação[1]: Saberes e fazeres da contemporaneidade.
Edmir Perrotti
Ivete Pieruccini (colaboração)
Introdução
O objetivo deste artigo é duplo. Em primeiro lugar, considerando problemáticas culturais próprias da contemporaneidade, pretende afirmar a necessidade de desenvolvimento de uma área de estudos centrada nas relações inextricáveis sempre existentes entre Informação e Educação, mas que vêm se redefinindo de forma extraordinária nas chamadas Sociedades do Conhecimento, alterando processos simbólicos fundamentais que nos constituem. Por nós nomeada de Infoeducação, tal área trata de forma englobante, dinâmica e articulada as questões informacionais e educacionais, consideradas tanto em suas dimensões teóricas quanto operacionais.
Por outro lado, pretendemos com este artigo lançar os fundamentos científicos da Infoeducação, por meio do registro de uma trajetória de pesquisa que, partindo da constatação da necessidade de estudos sistemáticos enfocando as relações entre Informação e Educação, resultou na definição da nova área, contribuição científica original e reconhecida internacionalmente[2] de pesquisadores brasileiros que continuam reunidos na Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo[3], para tratar de questões essenciais que afligem especialmente nosso tempo, bem como nosso futuro e, especialmente, nosso país.
Informação e significado: o problema
Somos seres do significado, ensina Bettelheim em seu já clássico A psicanálise dos contos de fadas[4]. Apesar de minimizar apressada e excessivamente o papel da produção cultural contemporânea como fator de educação das novas gerações, tendo em vista afirmar a importância da cultura tradicional dos contos, não há como deixar de reconhecer que o conhecido estudioso da subjetividade tem razão no essencial: nossa humanização é sígnica, constitui-se com e por meio dos signos.
Nesse sentido, não podemos ficar alheios à natureza e às dinâmicas culturais do passado, do presente e do futuro, uma vez que está em jogo nesse processo complexo, ativo e incessante nosso destino como espécie. No princípio era o Verbo, dizem as Escrituras, alertando-nos que, se produzimos signos, somos por eles produzidos, também. Em decorrência, sejamos crentes ou não, não há como escapar desse incontornável hibridismo: somos natureza e cultura, criadores e criaturas, matéria e espírito em proporções indivisíveis e imensuráveis.
Decorre daí que a luta pela memória[5] , pela significação, pela cultura foi sempre uma constante na história humana, ganhando na contemporaneidade contornos de uma verdadeira guerra, como nota Virílio[6]. Em nossa época, diferentemente do passado, entram na batalha componentes que ultrapassam a luta pela conquista política e manutenção de territórios físicos e simbólicos. Além desse aspecto, está em jogo nosso modo de ser, nossa identidade ontológica, categoria situada nas confluências da psicologia e da cultura, mas que as ultrapassa, por dizer respeito a nossa condição enquanto espécie.
A questão identitária é recorrente em momentos de grandes transformações, em vários campos como a filosofia, a ciência e a arte. São muitos os pensadores que face a mudanças radicais, voltaram-se para o tema, preocupados sobretudo com o homem unidimensional, a desumanização, a funcionalização de todas as coisas e a inevitável perda da dimensão ética da existência que nos liga uns aos outros. Catastrofismos à parte, não se pode deixar de perceber que, em nossa época, produzimos e recorremos com freqüência a expressões como massificação, robotização e outras de igual teor para manifestar nossa perplexidade, nosso mal-estar na civilização da cibercultura[7]. Esta não vem significando simplesmente o advento de novos modos de produzir, distribuir e receber conhecimento e cultura, como pretendem alguns de seus apologistas. Vem sendo, antes, o surgimento de um modo de pensar, sentir, agir até então desconhecidos, produzindo mutações que afetam nossa vida e diante das quais não ficamos incólumes.
Nesse quadro, não há como fugir a questões essenciais que dizem respeito à condição humana, como as da cultura e do conhecimento e, no nosso caso específico, à ciência e, particularmente, às ciências ditas humanas. Afinal, o que significam estes termos quando nossa identidade está em questão? O que significa conhecer, fazer ciência com consciência[8], construir sentidos, quando temos dúvidas sobre o que somos, o que seremos ou que queremos ser? Ainda que, por exemplo, a ciência sobreviva - e parece que ela é cada vez mais essencial no mundo atual-, em que condições sobreviverá o objeto das ditas ciências humanas? Como se apresentarão funções essenciais como a memória, a imaginação, o pensamento, os sentidos? A sobrevivência continuará significando capacidades de pensar, se emocionar, agir e, sobretudo, de relacionar-se, identificar-se, vincular-se ao outro? Qual, enfim, a direção das alterações promovidas pela cibercultura, qual seu projeto antropológico, uma vez que ela implica obrigatoriamente um? Se tanto o sagrado arcaico quanto o profano moderno não estão sendo capazes de responder às inquietações e aspirações dos novos tempos, a espécie continua precisando, contudo, de significados, ao menos no estágio em que ainda se encontra. Sem eles, perdemos o rumo, ficamos impossibilitados de atuar no mundo, de agir, no sentido dado ao termo por Arendt[9], ao distingui-lo de fabricação
A Era da Informação recoloca, pois, indagações radicais, próprias dos novos períodos históricos. Por isso, suas questões centrais não podem ser tratadas com a estreiteza que muitas vezes vem caracterizando os debates e as ações que as focalizam, reduzindo-as a dimensões operacionais importantes, mas que, em sua incessante e cada vez mais veloz fuga para frente[10], obliteram questões de fundo complexas e difíceis, mas talvez muito mais urgentes e necessárias. A funcionalização do debate é vício valorizado pelo maquinismo taylorista que precisa ser superado por novos saberes e fazeres, atentos, também, sem dúvida nenhuma, a questões operacionais, mas inscritos em quadros epistemológicos e axiológicos que não abrem mão nem das dimensões técnico-práticas, nem das ético-ontológicas da existência, entendendo-as não como categorias excludentes, mas recíprocas, indispensáveis à existência e desenvolvimento uma da outra.
Face a isso, o que significa, portanto, informar e informar-se na Era da Informação? O que representa produzir, fazer circular, receber, em números cada vez maiores, mensagens cujos teores não são necessariamente alcançados, transformados em conhecimento, conservando-se nas memórias naturais ou artificiais na mera condição de dados armazenados, desconectados entre si, reserva caótica à espera de varinhas de condão que lhes confiram magicamente significado e razão de ser? O que significa a memória, quando ela corre riscos de se transformar em obsessão, ironicamente apresentando-se como o outro lado do espelho, a face contemporânea do esquecimento, da perda de memória, não pela falta, mas pelo excesso? Por outro lado, como informar e informar-se em nosso tempo, quando modos tradicionais de participar da cultura e do conhecimento estão mudando, reaproximando os dois atos e apontando para possibilidades de superação de fragmentações históricas que a modernidade aprofundou[11]?
Se não se pode deixar de considerar esse avanço propiciado pela desfragmentação da informação, não se pode também deixar de lado o fato de que a nova situação exige investimentos de variadas ordens, subjetivas e objetivas, individuais e sociais para se realizar além de seus aspectos meramente mecânicos e técnicos de transmissão e arquivamento de dados. Face ao desenvolvimento tecnológico, histórico e cultural em suas diferentes dimensões, tanto informar, quanto informar-se são atividades não apenas cada vez mais imbricadas, mas também cada vez mais complexas e especializadas, envolvendo dispositivos, saberes e fazeres que, por suas características e condições, necessitam ser, eles próprios, continuamente desenvolvidos e apropriados, cultivados e redimensionados, como condição de sobrevivência e participação no universo do conhecimento e da cultura.
Desse ponto de vista, na atualidade, informar e informar-se envolvem saberes e fazeres especiais e especializados que, diferentemente de atitudes, competências e habilidades exigidas em passado culturalmente distinto e cada vez mais distante, dificilmente se constituem no simples fluxo do existir cotidiano. Dadas as implicações e dificuldades crescentes, geradas sobretudo pela midiatização e pela explosão informacional sem precedentes, entram em cena novos e variados aspectos axiológicos, conceituais e procedimentais que, para serem efetivamente apropriados, demandam ferramentas diferentes das utilizadas em outros momentos históricos, quando a vida era regida não só por outras lógicas, como por relações mais diretas e informais. Ler, produzir, publicar textos, nas telas dos computadores ou não; identificar a importância de uma notícia num canal de tv, dentre tantos à disposição; saber organizar ou acessar catálogos e documentos em bibliotecas longínquas, realizar ou saber escolher um CD, um filme, um DVD, uma exposição interessante dentre múltiplas possibilidades e ofertas presenciais ou virtuais; saber organizar fluxos informacionais profissionais ou pessoais, atribuir-lhes sentido, nada disso é tarefa simples e demanda aprendizagens não apenas informais e casuais, mas orgânicas e sistemáticas, de diferentes naturezas. Numa palavra, diante da avalanche informacional de nossa época, não há como deixar de refazer caminhos, mesmo se alguns segmentos socioculturais julguem corriqueiros os fazeres informacionais da atualidade. Nesse aspecto, convém lembrar que no passado, era comum às classes emergentes encherem suas salas de visitas de livros para exibi-los a seus convidados. Pretendiam, com isso, dar mostras de estarem-se apropriando da cultura letrada, coisa que até hoje não aconteceu para importantes setores dessas mesmas classes, apesar de seu poder de compra, de consumo cultural.
As novas possibilidades de produção, circulação e recepção dos signos criaram um quadro cultural onde a falta convive lado a lado com o excesso, o fortuito com o permanente, o virtual com o real, embaralhando fronteiras e percepções que alteram irremissivelmente relações com o conhecimento e o saber. Feito Teseus da contemporaneidade, vivemos hoje em labirintos sígnicos, necessitando de ferramentas e apoios especializados para sobreviver ao Minotauro. Face à falta de signos essenciais e, ao mesmo tempo, à profusão de mensagens e dispositivos de todas as espécies, quais aqueles a que prestar atenção, considerando-se sobretudo que atuamos nos quadros de uma economia de mercado globalizado, com grandes corporações especializadas na produção e distribuição de signos? Quais informações buscar, reclamar, assimilar? Quais valorizar? Quais desconsiderar, recriar ou rejeitar? Onde nos determos ou passar adiante? Quais, enfim, as trilhas a seguir nos processos essenciais e insubstituíveis do conhecimento e da construção de sentidos?
Achamo-nos, pois, numa situação em que, a falta de ferramentas e referenciais de conduta explícitos e claros, poderão significar submersão fácil nos oceanos da informação, incapacidade de realização de atos necessários aos processos de produção de sentidos e de significados. Nesses termos, é preciso construir tais recursos e deles nos apropriarmos, como condição de navegação nas águas agitadas e turvas da informação na contemporaneidade. Informação que, nesse ponto, encontra-se com a Educação, uma vez que a apropriação dos bens simbólicos não é ato simplesmente natural, mas culturalmente construído.
Informação e Educação: o recorte
Os campos da Informação e da Educação constituíram-se buscando eficácia nos mecanismos de transmissão do saber. Em função disso, relegaram os mecanismos de recepção a posições secundárias nos processos de significação, definindo-os quase sempre como simples desdobramento mecânico e reflexo da transmissão. Na segunda parte do século passado, em função dos quadros histórico-culturais que emergiram pós segunda guerra mundial, tal direção começou, contudo, a ser questionada não só teoricamente, mas também na prática. Nesse sentido, tanto uma área quanto a outra deslocaram o olhar para além dos horizontes da transmissão de informações, condição que lhes permitiu descobrir os usuários e os aprendizes como sujeitos dos processos simbólicos de que participam, tratando-os não mais como mera projeção dos desígnios da emissão.
Em decorrência dessa descoberta, desenvolveram-se, tanto no campo científico da Informação como no da Educação, importantes trabalhos centrados na nova compreensão. Assistimos, então, ao desenvolvimento crescente de estudos de usuários, que chegam a ser algumas vezes perspicazes; da mesma forma, vemos a implantação crescente de serviços de referência nas bibliotecas, centros de informação e de documentação. É do período, também, a adoção em vários níveis de ensino, da pesquisa escolar como prática pedagógica que confere ao aluno uma participação ativa nos processos de ensino-aprendizagem, alterando sensivelmente concepções e práticas tradicionais de uso da informação pela escola.
Como não poderia deixar de ser, tais direções desembocariam fatalmente em novas e importantes conexões do campo da Informação e da Educação. Ambas passam a partilhar, assim, a problemática comum das aprendizagens informacionais, como necessidade a ser enfrentada por época que vê os modos tradicionais de informar e de ensinar entrarem em crise e que deve refazer-se, considerando os novos contextos histórico-culturais e suas demandas. Desse modo, programas de educação de usuários, de educação para a informação, de information literacy, de diferentes naturezas[12], começam a ser desenvolvidos, em diferentes lugares do mundo[13], aproximando Informação e Educação, como resposta a realidades apresentadas pela Sociedade do Conhecimento.
Se tais aproximações são significativas e representam um avanço indiscutível em relação às posições reinantes até então, não conseguem, contudo, representar ruptura epistemológica capaz de vencer o dualismo que separa historicamente os campos e que vem acarretando dificuldades de várias espécies aos processos de apropriação simbólica. Dessa forma, ao deslocarem o olhar, focando-o não no informar e no ensinar, mas no informar-se e no aprender, Informação e Educação passam a desenvolver novas relações, sem, contudo, alterarem estruturalmente suas posições, correndo lado a lado, sem nenhuma dúvida, muitas vezes, colaborando mas também disputando-se e mantendo a já proverbial cisão entre informação e formação. Ocorre que, apesar das abordagens comuns, a cristalização disciplinar instituída e mantida não permitirá a superação dos vazios criados pela fragmentação e pelo isolamento dos territórios científicos, tal como foram definidos pela modernidade[14]. Em tal situação, os saberes de cada área são tratados como saberes exteriores aos campos particulares e não como categorias implícitas a ele; são considerados como conhecimento prévio a ser agregado aos conhecimentos especializados e não como parte constitutiva dos processos gerais de conhecimento.
Em tais condições, a ação sobre a recepção não é senão um modo novo de tratar um velho problema: a eficácia informacional e educacional, tendo em vista a formação de sujeitos em condições de produzir -e de competir- para os disputados mercados da era da informação. Daí a importância atribuída por ambos os campos às competências, termo que, na área da Informação, tenta impor-se como refúgio do engajamento possível deste início de século, em substituição, portanto, ao de aprendizagens informacionais, de natureza mais abrangente e que remete não apenas para as competências e habilidades, mas também e sobretudo para atitudes face à informação e a cultura.
Foi, pois, na tentativa de compreender tais relações históricas, bem como na de abrir novas e necessárias perspectivas às relações entre Informação e Educação, contribuindo, se possível, para a superação de fragmentações herdadas da modernidade, que passamos a desenvolver nosso programa de pesquisas na ECA/USP e cuja evolução resultou na criação de área de estudos por nós nomeada de Infoeducação. Área de síntese e de abertura a novos vôos; área científica e de ação sociocultural, apesar de estar em constituição e em definição, a Infoeducação já vem representando, contudo, importante contribuição à reflexão e à ação informacional e educacional, como se verá adiante.
Protagonismo cultural [15] e apropriação simbólica[16]: Objetivo e objeto
Tendo em vista o avanço da participação cultural na sociedade brasileira, tomamos, a partir do início dos anos 70, a apropriação simbólica como objeto de estudo, considerando-a em sua dimensão de apropriação de signos e significados, condição indispensável aos processos gerais de afirmação do protagonismo cultural. Desde então, detivemo-nos em variados aspectos implicados na apropriação da informação escrita por diferentes segmentos do país, tomando como categorias de análise, tanto produtos, como práticas culturais[17], adotadas por nossas instituições de educação e cultura.
Ao realizarmos tais trabalhos, estávamos focados na natureza e no sentido de mediações socioculturais correntes, uma vez que as entendíamos como categorias constitutivas e essenciais dos processos de apropriação simbólica. Nesse quadro, preocupava-nos especialmente, de um lado, a inadequação dos produtos culturais em circulação não só, mas sobretudo nos nossos processos escolares, face aos objetivos de protagonismo cultural que nos orientavam; somada a isso, preocupava-nos a inadequação de conceitos e práticas que confinam o conhecimento e a cultura em circuitos restritos, dificultando processos de apropriação abertos e comprometidos com a diversidade e a pluralidade do mundo; sem contar, evidentemente, as preocupações com as dificuldades históricas de acesso da população do país a diferentes produtos culturais e instituições, dos livros à Internet.
Desse modo, ao estudar textos literários destinados à infância no país, verificávamos que até os anos 70, estes tinham, em geral, um caráter didático-utilitário que indicava percepções de leitor, de leitura, de conhecimento e de cultura que iam em sentido contrário aos objetivos por nós perseguidos. Estruturados segundo critérios de uma gramática fechada e rebarbativa, os textos incentivavam, seja em seus conteúdos explícitos ou em sua estrutura implícita, relações pouco inventivas e afirmativas com o mundo e a cultura, atitude que, no passado, só a literatura lobateana foi capaz de superar, instituindo assim novos conceitos de literatura e de cultura destinadas a crianças e jovens no país.
Por outro lado, conforme nos indicava trabalho posterior, as mediações culturais, oferecidas pelo complexo educacional e cultural do país, pautavam-se também quase sempre pelas mesmas referências de reforço do mesmo e do idêntico, comprometendo-se não com a apropriação, mas com a assimilação cultural, atitude que acabou contribuindo para o esvaziamento dos significados e sentidos atribuídos historicamente a instituições como a Escola e a Biblioteca, gerando uma crise que o importante aumento quantitativo da estrutura educacional e cultural, na segunda metade do século passado, não conseguiria evitar. Não surpreende, pois, que os resultados das avaliações educacionais contemporâneas exibam os resultados mostrados recentemente, para escândalo geral, inclusive porções da nação que até há pouco voltavam as costas a tais problemáticas, entendendo-as como dado meramente acessório nos processos gerais de desenvolvimento.
Desse modo, se o protagonismo cultural era um objetivo a ser perseguido, sua realização implicava dimensões plurais e complexas, que necessitavam ser conhecidas e descritas em sua natureza e dinamismo. Estimulados sobretudo pela Sociologia da Leitura de Escarpit[18], bem como por escritos freireanos, como a Pedagogia do oprimido[19], iniciamos, pois, o estudo sistemático de questões envolvendo a apropriação simbólica, abordando-as numa perspectiva sociocultural que considerava como constitutivos dos atos de significação[20], tanto suas formas e conteúdos quanto os dispositivos que os objetivam.
Preocupados com repertórios culturais desprezados ou tratados inadequadamente pelos dispositivos informacionais e educacionais existentes no país, formulamos, assim, no final dos anos 80, projeto de pesquisa[21] levado a efeito no Departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP, onde atuávamos desde 1983, e que tinha por objetivo explícito estudar o sentido da experiência[22] em processos culturais envolvendo crianças e jovens. Relegada aos limites estreitos da esfera privada, a sabedoria corre riscos de não encontrar espaço para sua circulação no mundo contemporâneo, visto que modos de convivência atuais passam por transformações profundas, incapazes de assimilar conteúdos e modalidades de transmissão de signos herdados do passado. Apoiados pelo CNPq, passamos, assim, a coletar e organizar um acervo de relatos de idosos de uma região da cidade de São Paulo, tendo em vista disponibilizá-lo por meio de práticas culturais de diferentes naturezas, como publicações e recriações das histórias de vida em textos ficcionais e encenações dramáticas, dentre outros.
Ao tentar compreender as relações entre experiência, cultura e educação, o projeto pretendia, também, construir referências que pudessem orientar processos de re-qualificação de tais relações, visto que o protagonismo cultural não era por nós definido de modo formalista, como mera função ativa, desprovida de valores e significados culturais. Nesse aspecto, o projeto chamava a atenção para a mediação cultural como processo de significação, o que vale dizer, ato que ultrapassa em muito aspectos meramente técnicos ou formais de disponibilização de dados. Em decorrência, passamos a trabalhar na sistematização de uma metodologia de mediação cultural que pudesse aportar contribuições às questões de apropriação simbólica por nós estudadas.[23]
Os resultados do projeto foram extremamente animadores, comprovando a força essencial e mobilizadora dos relatos tanto para as novas gerações, como para os idosos que, no processo, ressignificavam e reapropriavam-se de suas histórias de vida, estabelecendo vínculos extremamente vivos e fortes com crianças e jovens que com eles entraram em contato direto, durante a pesquisa. Nesse sentido, se as evidências indicavam a necessidade de ir adiante em nossas reflexões e questionamentos, exigiam, também, a contextualização das práticas em quadros de referência teóricos e operacionais distintos dos até então utilizados. A pesquisa mostrava que, por mais transcendência que os repertórios e as mediações por nós propostas pudessem produzir, implicavam obrigatória e necessariamente a objetividade de dispositivos que as modelavam e que precisavam ser compreendidos com maior precisão, em seus múltiplos e dinâmicos aspectos relacionais, semiológicos e materiais.
Desse modo, face à dependência de condições impostas pelos ritmos escolares, uma vez que as ações de apresentação das memórias às crianças e jovens foram desenvolvidas em uma escola pública, passamos a trabalhar no desenvolvimento de um novo dispositivo, a princípio nomeado Arquivo cultural, mas cuja evolução resultou na criação da Estação Memória. Tornava-se necessário criar ferramentas capazes de promover a compreensão dos atos de significação, tomados não como epifanias, geradas à margem do tempo e do espaço, mas, ao contrário, como fenômenos de ordem subjetiva, situados em referência a quadros históricos concretos onde ganham conformidade. Se compreendíamos, assim, que os atos de apropriação simbólica não se esgotam em seus aspectos socioculturais, compreendíamos também, com Vygotsky[24] e outros, que não se esgotam tampouco em dimensões subjetivas inacessíveis e irredutíveis. Estávamos às voltas, portanto, com fenômenos complexos, espécie de jogo permanente de interferências mútuas de variadas procedências internas e externas aos sujeitos e necessitávamos investigá-los com ferramentas que permitissem abrir o olhar para essa perspectiva abrangente e integradora.
A partir de então, um universo novo de questões se apresentou, fazendo com que os estudos da apropriação cultural fossem retomados em novas perspectivas conceituais e metodológicas. Os dispositivos culturais[25], seus conceitos, configurações e modos de atuar passam a ocupar, portanto, um lugar novo em nossos trabalhos e a ser estudados não apenas enquanto instâncias de mediação a serem observadas e analisadas, mas sobretudo enquanto realidades a serem inventadas e reinventadas, a partir de critérios que cabia à pesquisa definir.
Temática cara a diferentes autores contemporâneos como Foucault[26] [27], o estudo do papel dos dispositivos como categoria constitutiva dos atos simbólicos representava um salto importante, uma vez que implicava uma visão não-fragmentada e não-idealista das questões envolvendo nossas transações com os significados. Tal ponto de vista era especialmente importante nas Sociedades do Conhecimento, quando modos de produzir, distribuir, receber cultura ganham contornos extremamente distintos dos herdados da modernidade, dependendo cada vez mais de artefatos técnicos, de instituições, redes e circuitos especializados que são, eles próprios, discursos, significante e significado, produto e produção cultural de um tempo e lugar localizados e identificáveis, apesar da rica polissemia procedente de diferentes matrizes[28], utilizada em sua nomeação.
Evidentemente, nossas opções pelo protagonismo cultural refutavam, por princípio, compreensões correntes em vários discursos sobre a cultura e que situam os sujeitos sociais não em posição de protagonistas, mas de usuários, quando não, clientes, consumidores culturais. Nos quadros de referência que nos orientavam, não cabiam tais termos e concepções, por mais que atentássemos aos aspectos de uso implicados nos gestos culturais, assim como a suas dimensões econômicas e materiais.
Apropriação cultural: um novo paradigma
A História é pródiga em dar exemplos de instituições monumentais criadas com a finalidade de guardar a memória dita coletiva e de cuidar para que esta se conserve através dos séculos, se possível sem arranhões nem nos documentos, nem nos sentidos neles depositados. Se a atitude pode, sem nenhuma dúvida, ser entendida como necessidade essencial de preservação do passado, tendo em vista sua compreensão como referência para o presente e o futuro, pode, também, como fez Eco[29], ser compreendida como forma de luta pela manutenção de posições consolidadas que não admitem variações.
Se ideais antigos e medievais de conservação cultural deram, pois, origem às tais instituições monumentais, focadas em objetivos conservacionistas, foram, porém, postos em questão por um novo ideário nascido com os Tempos Modernos e que, especialmente, os Iluministas trataram de formular e promover por meio de diferentes iniciativas, como por exemplo, a Enciclopédia. Esta, em sua concepção e forma correspondia a demandas do novo tempo e era um exemplo acabado de produto nascido não mais sob o signo da conservação, mas sim da difusão cultural. Para o Iluminismo, difundir cultura era um princípio essencial, intrínseco à construção da nova ordem histórica que sucedia à ordem medieval.
Ideais- e lutas[30]- como a dos Iluministas resultaram, pois, na criação de instituições pautadas pelo novo paradigma da difusão cultural, referência que se estenderá até os dias que correm, em que pesem evidências de seu esgotamento face às novas circunstâncias históricas que colocaram a modernidade em crise. Nesse sentido, se as instituições de difusão cultural, como por exemplo as bibliotecas públicas estimuladas pelos filantropos ingleses do século XIX , significaram possibilidade de acesso a informações e conhecimentos negados até então a diferentes segmentos populacionais, de outro lado, representaram também ferramenta, visando à assimilação pelas massas dos valores e comportamentos das elites culturais. Desse ponto de vista, os ideais difusionistas tinham em mira a integração social, via assimilação cultural e não por meio de questionamento e negociação dos signos. Seus critérios não levavam em conta processos de inclusão que colocassem em causa tanto os modos, como os próprios ideais culturais incrustados em suas instituições e nas relações com o conhecimento e a cultura por elas promovidos.
Resulta, pois, de tal perspectiva, a dissonância conceitual e operacional de inúmeros dispositivos culturais criados pela modernidade, quando se tem em mira aspirações de relação ativa e criativa com a cultura. Em nosso país, por exemplo, instituições como bibliotecas públicas e escolares, quando existem, são quase sempre inadequadas às demandas de criação e participação cultural. Constituídas sobre as premissas da conservação ou da difusão, quando não da oscilação entre uma e outra ordem, não são capazes de responder a demandas de conhecimento que signifiquem modos afirmativos de atuação e de relação com os signos.
Dessa forma, nem os dispositivos concebidos sob os ideais conservacionistas, herdados da Antiguidade e da Idade Média, nem aqueles pautados pelo difusionismo moderno atendiam aos nossos propósitos, o que nos obrigou a romper com o conservacionismo e o difusionismo do passado, atribuindo novos valores à assimilação e à difusão. Foi assim que nomeamos e adotamos o paradigma da apropriação cultural como referência de trabalho. Segundo ele, conservação e difusão são categorias-meio, instrumentais, e não categorias- fim nos processos culturais que nos interessavam. Em tal circunstância, instituições de memória como as do passado, não serão vistas como depósitos inertes a serem cultuados, mas repositórios culturalmente marcados, onde contemporâneos podem se alimentar para protagonizar o presente e o futuro.
Dado o patamar em que se encontram os estudos na área cultural, as pesquisas em realização apontavam para uma dupla direção. De um lado, estabeleciam distinções fundamentais a seu próprio desenvolvimento. De outro, com suas formulações, podiam servir ao avanço conceitual de áreas como a Informação, a Comunicação, a Educação e a Cultura, fornecendo ferramentas teóricas novas e importantes para a compreensão dos caminhos tomados pelas questões culturais em geral. Estávamos, pois, produzindo contribuições científicas significativas, ao definir e adotar epistemas, como o paradigma da apropriação cultural.
Decorrência disso, não poderiam ficar à margem os modos de fazer e de compreender a ciência e seus processos e critérios gerais de produção, circulação e recepção social. O percurso em realização exigia um redimensionamento teórico e prático de suas ferramentas, de modo a adequá-lo aos termos de uma época que reclama participação afirmativa e crescente de todos na cultura.
Das cooperações à pesquisa colaborativa como método
A evolução dos estudos levou-nos, assim, à exigência de elaboração de instrumental científico especial, indispensável a seu desenvolvimento. Em conseqüência, tivemos que construir dispositivos que eram ferramentas e objeto de pesquisa, ao mesmo tempo. A distinção entre meios e fins se anulava e só voltava a existir quando tais termos eram considerados em dimensão relativa, dependendo da perspectiva adotada pelos diferentes colaboradores que participariam da sua construção. Tal fato, obrigou-nos a lançar mão de concepções e procedimentos metodológicos não-ortodoxos, que rompiam não só com a distinção referida, mas com diferentes aspectos da herança científica clássica, inscrevendo nossos trabalhos numa perspectiva construtivista[31] que ultrapassava a divisão rígida, estanque e hierarquizada entre observação e participação, entre saberes formais e saberes da ação[32] , fazeres científicos e fazeres empíricos, experimento e ação, laboratório e serviço, pesquisa e extensão.
Dessa forma, por razões epistemológicas teóricas e operacionais desenvolvemos caminhos científicos que nomeamos e, atualmente, estamos sistematizando, como pesquisa colaborativa, direção que conceberá o conhecimento científico resultante de ação cooperativa, pautada pela negociação de signos entre iguais e diferentes, por meio de interações entre pesquisadores de variadas áreas e destes com especialistas e profissionais de diversos campos de atuação e funções.
Orientados por princípios da interdisciplinaridade, mas extrapolando-os, ao incorporar aos nossos estudos, como categoria metodológica, os saberes e fazeres plurais[33], passamos a desenvolver um novo e desafiante percurso, pautado não apenas pela troca de saberes da mesma natureza, mas pelo diálogo e pelo confronto entre conhecimentos e práticas constituídos a partir de critérios e demandas distintas, mas que se uniam em torno dos mesmos objetos e objetivos: a apropriação simbólica e o protagonismo cultural.
Em decorrência das opções efetuadas, nossas pesquisas recolocaram questões essenciais, como as relações entre teoria e prática, ciência e sociedade, ciência e conhecimento, ciência e senso-comum, exigência que nos obrigou a rever compreensões e refazer caminhos que, como ressalta Boaventura Santos[34], não são nada fáceis, mas instigantes, profícuos e indispensáveis.
No quadro de tais preocupações, estabelecemos parcerias com diversas instituições públicas e privadas, o que permitiu a criação e implementação de novos e diferentes dispositivos informacionais em ambientes de educação formal (escolas de educação infantil, ensino fundamental, médio e superior) e não-formal, bem como compreensões agudas e inovadoras do objeto que nos ocupava. Em cooperação com a Divisão de Creches, da COSEAS/USP, realizamos a implantação da Oficina de Informação[35], na Creche Oeste, situada no campus da USP, em São Paulo, e destinada a crianças de 0 a 6 anos. Da mesma forma, o projeto Memórias do Baixo-Pinheiros, memórias de vida, memórias da cidade, formulado em 1989, evoluiu para criação da Estação Memória, um novo serviço de informação e cultura, desenvolvido em parceria com o Departamento de Bibliotecas Infanto-Juvenis, da Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo e implantado, em 1997, na Biblioteca Infanto-Juvenil Álvaro Guerra[36], em funcionamento até hoje. Por outro lado, em cooperação com a Escola Municipal de Ensino Fundamental Roberto Mange, da Secretaria de Educação do Município de São Paulo, desenvolvemos no final dos anos 90, um projeto de Biblioteca Interativa, financiado pela FAPESP, na linha de programas visando à melhoria do ensino público[37], com a finalidade de desenvolver um novo conceito de biblioteca escolar que correspondesse aos objetivos que perseguíamos. Do ponto de vista da construção metodológica, portanto, tais cooperações, bem como as que se seguiriam até o presente, nos permitiram percorrer caminhos que devidamente articulados e sistematizados permitiram formar um corpo de concepções e procedimentos que ultrapassam simples aspectos estratégicos de ação cooperativa para adquirir um novo estatuto científico-metodológico de pesquisa colaborativa.
Da Biblioteca Interativa às Redes de Informação: a abordagem reticular
O projeto de Biblioteca Interativa consistiu na criação de uma unidade de informação em estabelecimento de ensino, tendo em vista contribuir para a melhoria do ensino público, por meio do desenvolvimento de novos conceitos de Serviços de Informação em Educação. O desenvolvimento das pesquisas indicou a importância da proposta, a capacidade de a Biblioteca Interativa promover novas atitudes e interesses pelo conhecimento, de alterar processos de ensino-aprendizagem[38], de possibilitar gestos culturais significativos. Por outro lado, a pesquisa evidenciou, também, a necessidade de repensar a posição do dispositivo no quadro geral da cultura da informação, uma vez que o isolamento da instituição escolar colocava em risco o desenvolvimento da biblioteca interativa, tão logo os vínculos com a Universidade deixassem de existir. Desse modo, o ciclo vital do novo dispositivo estava afetado pelas históricas condições de confinamento cultural que marcam a maioria de nossas instituições educativas, incluindo aí, a Universidade, sendo necessários novos conceitos e práticas para se superar tal dificuldade. Nesse sentido, a pesquisa cooperativa necessitava ganhar novas categorias, pois era, ao mesmo tempo, pesquisa- extensão universitária, processo de construção e de circulação de conhecimento em interação com a comunidade, atitude permanente de ruptura de bloqueios que cerceiam o conhecimento e sua apropriação social.
Compartilhando resultados evidenciados pela pesquisa com a equipe escolar, bem como com a equipe técnica da Secretaria Municipal de Educação, da Prefeitura de São Paulo, propusemos, então, o desenvolvimento de uma rede cooperativa, de caráter permanente, a ser constituída a partir da articulação da Bibiblioteca Interativa do Mange com a USP e com as Salas de Leitura das escolas da região do Butantã. Era uma forma de não romper o circuito que se mostrara tão essencial aos processos de apropriação promovidos pelo novo dispositivo, bem como forma de ir estendendo, sem ônus, resultados importantes do projeto a outras escolas da região e, mais adiante, talvez, a toda rede escolar.
Todavia, se a equipe da Escola Roberto Mange, bem como a equipe da Coordenadoria de Educação do Butantã foram imediatamente favoráveis à proposta, um ofício da Secretaria de Educação, onde se localizava a instância central, coordenadora das Salas de Leitura das escolas municipais, informou que a gestão não a implementaria. Desse modo, se inicialmente a Coordenação das Salas de Leitura se manifestara formalmente contrária aos trabalhos de implantação da Biblioteca Interativa, sem, no entanto, ter com isso conseguido impedir a iniciativa da comunidade escolar, por outro lado, dificultava, agora, seu avanço em nome de justificativas não procedentes educacionalmente. Ficava evidente, com isso, que as relações entre dispositivos e apropriação simbólica não eram, apenas, de ordem conceitual ou metodológica, mas sobretudo políticas e administrativas, implicando conflitos que necessitavam ser incorporados ao projeto como categoria epistemológica. Estavam em causa, portanto, relações entre ciência e sociedade que não podiam ficar alheias à pesquisa cooperativa.
Se somente na gestão posterior foi possível retomar contatos com a Secretaria de Educação do Município de São Paulo, foi possível, todavia, a partir da experiência do Mange, e, em cooperação com a Secretaria de Educação de São Bernardo do Campo, desenvolver uma Rede Escolar de Bibliotecas Interativas (REBI), incorporando várias conquistas e propostas do projeto precedente e, ao mesmo tempo, lançando novas indagações e buscas.
Esforço excepcional e exemplar no ensino público do país, a REBI iniciou seus trabalhos com a implantação de seis bibliotecas interativas conectadas entre si[39], em unidades escolares do município, número que imediatamente começou a crescer e que atualmente já atinge mais de 70 unidades. Seja pelo caráter inovador do projeto, ou pela dinâmica própria a iniciativas de sua envergadura, pela velocidade de sua expansão, pelas reflexões e tomadas de posição inadiáveis que o trabalho propunha, conseguimos, com a REBI, resultados que confirmavam e clareavam questões novas, como o sentido e o papel fundamental da organização em rede como fator de desenvolvimento das bibliotecas interativas. Tal modo de ser contribuía enormemente para a qualidade das unidades informacionais, dos profissionais que aí atuavam, para a apropriação dos dispositivos pela comunidade escolar, dentre outros benefícios igualmente importantes. Ao mesmo tempo, a REBI permitiu, também, o aprofundamento da compreensão das relações entre Universidade e terreno, deixando claro a existência de uma zona irredutível entre as categorias que necessita de tratamentos não só formais como especiais, único modo de não permitir que a pesquisa cooperativa sucumba a idiossincrasias não apenas políticas, mas também pessoais e institucionais. Em outras palavras, a REBI deixava clara a necessidade de instâncias e de protocolos de mediação, devidamente formalizados e nomeados em sua natureza e funcionamento, já que relações apenas informais ou indevidamente explicitadas não são capazes de definir limites entre coordenação e subordinação entre as partes.
Em outro sentido, se a problemática conceitual, metodológica, operacional da REBI mostrava um dinamismo e um potencial de inovação e desenvolvimento verdadeiramente excepcionais, alastrando-se para domínios que extrapolavam o âmbito escolar, deixava claro, também, que as cisões históricas entre os campos informacional e educacional precisavam ser retomadas, observadas com maior atenção, já que muitas vezes ordem informacional e ordem educacional concorrem nas mais diferentes situações, apresentando dificuldades de articulação que ocasionam obstáculos à exploração e apropriação dos novos dispositivos, em suas possibilidades pedagógicas e culturais. Era preciso, portanto, insistir nas articulações inextricáveis entre meios e mediações[40], rompendo em todos os aspectos com dualismos e polarizações que iam no sentido contrário às nossas propostas. Se distinguíamos, com base em Bourdieu[41], ordem informacional de ordem educacional, de outro lado, entendíamos que estas se encontram e integram na dimensão superior da significação, apresentando-se, mesmo se irredutíveis, como categorias inseparáveis em sua dimensão semiológica. Nesse aspecto, sem se reduzir um a outro, informar é educar, assim como educar é informar. Além disso, no mundo contemporâneo, tais atos envolvem dispositivos complexos e diferenciados que caracterizam de modo especial processos de significação, configurando quadros que atitudes corporativas de policiamento da ordem educacional ou cultural serão incapazes de deter, como nos mostrava a própria evolução da REBI.
Das Redes de Informação às Redes de Infoeducação: a abordagem orgânica
Se as trilhas abertas pela REBI confirmavam a importância funcional das redes de informação, levaram-nos a compreender também, com suas dinâmicas internas e externas, os próprios atos de significação como atos em rede. Os projetos evidenciavam que, em torno dos ambientes criados, organizavam-se tramas complexas de relações que introduziam no
vos sentidos e fazeres nos espaços escolares. Nesse sentido, era preciso continuar dando ênfase às redes não apenas em sua dimensão funcional, mas sobretudo compreender as possibilidades culturais que sua capilaridade propiciava. Em outras palavras, as redes de informação deveriam ser entendidas, também, como redes de significação, integrando num só e mesmo processo informar e informar-se.
Em função disso, passamos a realizar novos projetos, agora nomeados como Redes de Infoeducação[42], terminologia que explicitava as compreensões reticulares, dinâmicas e orgânicas que então integravam nossos trabalhos, como alternativa à ordem social fragmentada e caótica que necessitava ser enfrentada. A nova nomeação significava a compreensão da existência de vínculos mútuos e inextricáveis entre meios e mediações, no caso específico, entre bibliotecas interativas e práticas educativas, embora tal reconhecimento não desconsiderasse diferenças que conferem identidade a cada categoria. Estávamos preocupados com dualismos e polarizações, entre a ordem material dos dispositivos e as ações ali desenvolvidas, já que, muitas vezes, tomava-se o material pelo imaterial –e vice-versa- caminho que ia em direção oposta às compreensões que alimentam nossas pesquisas. As Redes de Infoeducação traduziam, pois, um modo novo e reticular de compreender e abordar os processos de apropriação simbólica, bem como uma perspectiva orgânica e não-fragmentada das relações entre Informação e Educação.
A Hipótese
Os trabalhos desenvolvidos tinham por base uma hipótese segundo a qual existiria uma vinculação essencial, inextricável, dialética e complexa entre dispositivos de informação e cultura e os processos de apropriação simbólica, correlata à vinculação existente entre ordem cultural e educacional, demandando o desenvolvimento de novos dispositivos e de aprendizagens informacionais indispensáveis ao protagonismo cultural nas sociedades do conhecimento.
Face a tal hipótese, tornou-se necessário isolar alguns conceitos fundamentais como os de apropriação simbólica, de protagonismo cultural e de dispositivos de informação e cultura. Da mesma forma, foi preciso desenvolver conceitos específicos como os de estação do conhecimento e de dispositivos de apropriação cultural (DACs).
CONCEITOS
a) Apropriação Cultural
Estudando “a noção de apropriação”, Serfaty-Garzon[43] lembra que o termo “veicula duas idéias dominantes. De uma parte, a de adaptação de alguma coisa a um uso definido ou a uma destinação precisa; de outra, decorrente da primeira, a de ação visando a tornar alguma -coisa sua”. Por tal razão, “a apropriação não é possível senão em relação a qualquer coisa que pode ser atribuída e, enquanto tal, pode ao mesmo tempo servir de suporte à intervenção humana e ser possuída”. Como conseqüência, “a noção de propriedade constitui uma dimensão importante da apropriação”. Todavia, “tal noção tira seu sentido e sua legitimidade não da existência de um título legal atestando a posse jurídica de um objeto, mas da intervenção judiciosa de um sujeito sobre este último. A propriedade é aqui de ordem moral, psicológica e afetiva”.
Se a “propriedade jurídica” pode ser um dos elementos da apropriação, ela não se constitui, em sua “condição ou conseqüência necessária”. Face a isso, continua Serfaty-Garzon,[44] “o objetivo desse tipo de possessão é precisamente de tornar própria alguma coisa, isto é, de adaptá-la a si e, assim, transformar essa coisa em um suporte de expressão de si. A apropriação é, desse modo, ao mesmo tempo, uma tomada do objeto e uma dinâmica de ação sobre o mundo material e social com uma intenção de construção do sujeito”. Nesses termos, implica sempre uma faceta de vinculação do “mundo material e social” aos desígnios subjetivos do sujeito, daquele que se apropria, do mesmo modo que o transforma, num processo dinâmico que implica investimento e luta, mas seguramente ganhos, sendo, portanto, o reverso da expropriação.
Tal definição de apropriação permite-nos dar conta do segundo termo restritivo de nosso objeto. Não tratávamos de qualquer forma de apropriação, mas sim da apropriação simbólica. Interessavam-nos fenômenos que, apesar de contemplar uma dimensão material e objetiva, não se restringem a ela, envolvendo processos imateriais e subjetivos essenciais à sua realização. Na realidade, nosso trabalho integrava a materialidade dos objetos culturais em seu horizonte de expectativas. Todavia, reconhecia também a autonomia relativa da dimensão simbólica, capaz de extrapolar, em muitos aspectos, limites impostos pela ordem material. De resto, interessava-nos inclusive saber em que dimensões tais limites atuam, pois trabalhos como o de Ginsburg[45] abrem pistas importantes para a discussão de tais questões. A história do infeliz moleiro queimado nas labaredas da Inquisição é exemplar e não permite estabelecer linhas diretas entre materialidade e imaterialidade, em se tratando de temas culturais.
Por outro lado, a definição de apropriação nos termos propostos, permite-nos também distingui-la de assimilação, distinção fundamental, tendo em vista nossos objetivos de protagonismo cultural . Desse modo, apropriação é transformação que vai no sentido do semelhante para o diferente, do mesmo para o outro. Ao contrário, a assimilação é “transformação que vai do diferente para o semelhante, do outro para o mesmo... [opondo-se] à diferenciação”[46]. A percepção de tal distinção permitiu, por exemplo, a Certeau[47] conferir ao leitor o estatuto metafórico de caçador que cavalga inadvertidamente em campos que não lhe pertencem, mas que lhe fornecem alimentos indispensáveis à sua sobrevivência. Com isso, o autor de A invenção do cotidiano chama a atenção para uma característica diferenciadora da apropriação: o investimento do sujeito na ação por ele realizada, movido por forças vitais do desejo e da vontade[48] que o impulsionam. Portanto, a apropriação implicaria atuação e afirmação dos sujeitos nas dinâmicas de negociação de significados; representaria, no caso específico que nos interessa, transação de significados que diferencia e constitui os negociadores como sujeitos da cultura, protagonistas, cidadãos.
Chartier[49] fornece-nos também elementos para compreender a apropriação. Segundo ele, apropriar-se é transformar o que se recebe em algo próprio, é produzir um ato de diferenciação que se contrapõe a qualquer tentativa rígida imposta pela ordem dos livros [50], é atividade de invenção, produção de significados. Por isso, continua o autor, toda história da leitura supõe, em seu princípio, esta liberdade do leitor que desloca e subverte aquilo que o livro lhe pretende impor. Apropriar-se, portanto, é ação afirmativa, é invenção e criação e não simples recepção mecânica e automática de sinais ou de mensagens[51].
b) Protagonismo Cultural
No teatro grego, o protagonista designa aquele que ocupa o lugar principal no desenrolar da trama, em oposição ao antagonista e ao coro que, em geral, ocupam lugar coadjuvante na economia dramática. Proto significa o primeiro, o principal; agon significa luta,disputa, combate; agonista, aquele que luta, sendo que tal termo é a base de formação tanto para protagonista/protagonismo, como para antagonista/ antagonismo. Nesse sentido, o termo protagonista não só indica um lugar, uma hierarquia, como também- e sobretudo- um combate, a luta contra forças de diferentes ordens naturais ou históricas, tendo em vista a afirmação de valores que regem a vida comum, já que o protagonista define-se em relação a valores gerais e não apenas individuais, como ocorrerá, por exemplo, com o herói romântico. Nesse sentido, diferentemente do significado moderno, o protagonista define-se em relação ao coletivo, às bases éticas e morais que regem a vida da polis e que, por alguma razão, acham-se ameaçadas.
Foi, portanto, ligado à luta, à resistência, à afirmação da participação na vida coletiva que o termo protagonismo foi retomado em várias áreas da ação social, servindo tanto para redefinir o caráter das diferentes ações, como o estatuto de sujeitos que aí atuam e as relações mantidas entre eles. O termo vem sendo, assim, utilizado no corpo dos movimentos de resistência e reivindicação populares, da mesma forma que em situações envolvendo especialmente crianças e jovens em diferentes processos sociais e educacionais.
Segundo Costa[52], um dos autores que, entre nós, vem sistematizando o conceito, aplicando-o ao terceiro setor,“o centro da proposta é que, através da participação ativa, construtiva e solidária, o adolescente possa envolver-se na solução de problemas reais na escola, na comunidade e na sociedade”. Segundo ele, ainda, “no interior dessa concepção, o educando emerge como fonte de iniciativa (na mediada em que é dele que parte a ação), de liberdade (uma vez que na raiz de suas ações está uma decisão consciente) e de compromisso (manifesto em sua disposição de responder por seus atos”.
Em tais circunstâncias, o protagonismo significa uma nova forma de compreender, tratar e conceituar os diferentes aspectos dos movimentos sociais, em especial, seus atores, tomados agora como centrais nos processos históricos e não apenas como figurantes de cenas que se definiriam além deles, tornando-os apenas objeto das mecânicas do mundo. No caso específico dos adolescentes, estes começam, segundo Costa, “a ser vistos como solução, e não como problema”. Modificação radical, uma vez que ao invés de ser tomados como obstáculo a ser superado por ações externas e, muitas vezes, estranhas a eles, “através da participação ativa, construtiva e solidária, o(s) adolescente(s) (passam a) envolver-se na solução de problemas reais na escola, na comunidade e na sociedade”.[53]
Se o conceito de protagonismo abre perspectivas promissoras, demanda, contudo atenção em seu sentido e usos. Fazendo uma revisão de literatura sobre o “protagonismo juvenil na literatura especializada e na reforma do ensino médio”, Ferretti, Zibas e Tartuce[54] chamam a atenção para utilizações limitadoras do conceito, quando este é referido apenas a aspectos individualizantes do sujeito. Segundo os autores, tal uso vem sendo corrente, como aconteceu em textos oficiais, como o das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, emanadas pelo MEC, em 1998. Em decorrência, há que se “desbastar os sutis vieses ideológicos (...) de modo que a necessária promoção do protagonismo juvenil se afaste de um mero ativismo social- acrítico e apenas psicologicamente compensatório- ou da simples adaptação dos jovens às perversas condições da atual ordem socioeconômica”.[55]
Nesse aspecto, desbaste significa retomar o termo em seu sentido original, conferindo à ação protagônica sua devida dimensão histórica e social, inserindo e significando as ações dos atores particulares em relação não aos quadros individuais restritos, mas aos socioculturais amplos, tal como ocorria com os heróis do teatro na Grécia Antiga. Antígona, por exemplo, é protagonista de um drama familiar que não se esgota em tal dimensão restrita. Lutar bravamente para enterrar o irmão, um traidor da polis, não é simplesmente defender interesses de sua família, mas defender a cidade dos abusos do déspota. A ação de Antígona representa não um gesto pequeno, que se esgota na esfera da intimidade, do privado, mas a defesa da irredutibilidade do direito “natural” ao direito do Estado: independentemente das razões de Estado, em quaisquer circunstâncias, os mortos têm sempre direito à sepultura.
Seguindo-se tal linha de raciocínio, se as ações do protagonista apresentam uma dimensão singular e diferenciada, que lhes são próprias e pessoais, revelam também uma dimensão plural complementar, que afirmam a sua condição de pertencimento a um grupo, a uma cultura, a uma espécie. Desse modo, tais ações constituem-se, definem-se e ganham significado tão somente na dinâmica viva e constante existente entre as forças do particular e do geral, do individual e do coletivo.
Feitas tais considerações, no sentido de superação dos riscos do “hibridismo semântico” de que nos alerta Ferretti, é possível, portanto, retomar o conceito em questão em termos de protagonismo cultural , compreendendo-o como ação afirmativa nos processos simbólicos, exercida por sujeitos de diferentes meios e condições, consideradas as dimensões plurais e conflitantes da vida social e pública, no mundo contemporâneo. Desse modo, apropriar-se de informação e cultura é ato próprio de protagonistas, categoria que no âmbito da educação e da cultura distingue-se das de usuários e de consumidores culturais. Em suas relações com o conhecimento e a cultura, os protagonistas criam e se recriam, num movimento são, ao mesmo tempo, sujeito e objeto dos processos em que se acham inseridos.
c) Dispositivos
Inicialmente, utilizamos em nossos projetos a formulação Serviços de Informação em Educação para nomear os dispositivos que desejávamos estudar, em suas relações com os processos de apropriação simbólica. O desenvolvimento das pesquisas indicava, todavia, que tal nomeação era limitada e demandava outras construções mais elaboradas, compatíveis com as novas compreensões.
Nesse sentido, tanto o termo serviços[56], como o adjunto em educação colocavam problemas conceituais e operacionais que precisavam ser superados. A noção de serviço, por exemplo, remetia a uma dimensão instrumental, que deixava de lado os aspectos essenciais das instâncias de mediação cultural nos processos de significação. Além disso, apontava para direções histórico-culturais que iam em sentido contrário às preocupações de protagonismo que nos motivavam. Por sua vez, o complemento em educação[57], tal como aparecia na formulação, era um simples adjunto, indicando uma categoria espacial, um local onde os serviços se instalam, mas exteriores a eles. Ao chamar a atenção para a geografia, a expressão deixava de lado a história, ou seja, a trama de relações de todas as ordens que constituem e definem as instâncias de mediação cultural e que são tão importantes como as geográficas.
Se a formulação Serviços de Informação em Educação foi inicialmente útil, necessitava ser superada, pois fragmentava o objeto, não se constituindo em categoria epistemológica inscrita em ordem englobante e capaz de considerar os diferentes elementos que a constituíam. Na realidade, os sucessivos trabalhos iam-nos mostrando uma teia de categorias, de tal forma diversificadas e imbricadas entre si, que qualquer formulação que não desse conta da gramática e da pragmática das instâncias de mediação consideradas em seus aspectos morfológicos, sintáticos e semânticos dinâmicos e inter-relacionados, não correspondia nem aos pressupostos, nem aos objetos com os quais nos deparávamos no terreno. Se para finalidades operacionais era possível isolar questões de estudo específicas e pontuais, ligadas, por exemplo, mais diretamente a aspectos da configuração dos dispositivos ou das aprendizagens neles implicadas, por outro lado, não era possível compreendê-las fora da trama de relações de variadas ordens que os definem.
Para chamar a atenção para a importância de tais tramas nos processos culturais, já na década de 50, Escarpit[58], ao invés de falar em Literatura, preferirá falar em fatos literários. Com isso, não só supera uma espécie de fatalidade textual que marcará os estudos de literatura influenciados na época pelas imanências do estruturalismo, como abrirá novos atalhos para a compreensão dos fenômenos culturais. Para ele, Literatura é manifestação em duplo aspecto. De um lado, é processo, encontro pessoal e intransferível de um autor com seu leitor, por meio de um texto; de outro, é aparelho, construção de um tempo, de um lugar, de uma história cujas marcas materiais e imateriais definem indelevelmente os rumos do processo.
Por isso, ao tratar da leitura, o autor de A fome de ler [59] afirma que o leitor não está senão aparentemente sozinho durante tal ato. Ele não só se constitui a partir da voz que lhe dirige diretamente a palavra, como também das vozes do passado[60] que o acompanham irremissivelmente, isto é, de sua história, sua memória, sua cultura, além, evidentemente, daquelas que é capaz de projetar, antever, prenunciar com a intervenção de sua imaginação.
Em L´écrit et la communication [61], embora insista na distinção fundamental entre processo e aparelho, Escarpit chama também a atenção para o fato de que os processos de produção de sentidos implicados nas práticas de leitura decorrem de um jogo entre os significados dos textos, ato e gesto, definido o ato como o conjunto de atividades internas produzidas pelos leitores e o gesto como o conjunto de comportamentos socioculturais, mobilizados em torno de tais atividades. Desse modo, se a atividade cognitiva é alimentada pelo encontro dos textos com os raciocínios, afetos e emoções inscritas na subjetividade dos leitores, o pertencimento ou não a circuitos letrados, a existência ou não de textos e de contextos de leitura estimulantes, a possibilidade ou não de acesso a livrarias, bibliotecas, centros de documentação e informação, a natureza dos suportes, das linguagens fazem igualmente parte dos atos de significação.
Seguindo na mesma direção, Chartier lembra em um de seus trabalhos que “os textos não existem fora dos suportes materiais”[62]. Nesse sentido, os atos de significação implicariam, segundo o autor, uma ordem[63] constituída tanto por dimensões subjetivas, individuais e imateriais, como objetivas, sociais e materiais, numa tessitura em que uns atuam permanentemente sobre os outros, resultando o todo em processo complexo que integra e interliga os diferentes aspectos em redes de produção de sentidos que, devido à sua configuração e contínuo movimento, escapam a todo tipo de determinismo.
Decorre de tais posições uma inevitável preocupação com as mediações socioculturais que marcarão tanto a Sociologia da Literatura e da Leitura de Escarpit, como a História e a Crítica Cultural de Chartier e de Certeau , opções que, sem nenhuma dúvida, apesar de se situarem no campo dos estudos sociais, fazem eco à psicologia cultural de Bruner, fortemente enraizada, por sua vez, em postulados compartilhados com Vygotski. Atentos a aspectos relegados a plano secundário pela tradição idealista de estudo dos processos de significação, tais autores inscrevem as mediações culturais como categoria intrínseca de tais processos, rompendo com modelos cognitivos e semiológicos de natureza dual, conferindo à significação uma nova equação, de natureza triangular. Assim como informar e informar-se, mediar a informação não é, nessa compreensão, atividade passiva de transmissão de conteúdos, mas forma de atuação nos e com os sentidos. Quem conta um conto, aumenta um ponto! Se o meio não é a mensagem, um programa de tv não é um livro, nem o Jornal Nacional é O Globo ou a SBT, a Folha de São Paulo.
Para responder, portanto, a conhecimentos procedentes tanto da literatura pertinente quanto de experiências concretas de pesquisa no terreno, acabamos por identificar um caminho promissor no conceito de dispositivo, tal como apareceu formulado por alguns pesquisadores, reunidos no Colóquio Dispositif: entre usage et concept, realizado em 1998, em Louvain, Bélgica. As discussões travadas e posteriormente publicadas na revista Hermès[64], apontavam algumas direções extremamente férteis e convergentes com preocupações nossas de compreender as instâncias de mediação na perspectiva foucaultiana de “agenciamento de elementos diversos e complexos, tendo em vista uma finalidade”, e, ao mesmo tempo, de compreendê-las também como “ agenciamento” que produz ele próprio uma finalidade. Essa compreensão dinâmica de um objeto que é produzido e produz uma finalidade, que reflete e refrata ao mesmo tempo, não se referia, assim, apenas a uma dimensão sistêmica de uma instância tomada em seus aspectos morfológicos, sintáticos e semânticos complexos e inter-relacionados; referia-se, sobretudo a uma dimensão axiológica essencial, que situa os dispositivos numa posição não meramente funcional ou instrumental, mas sobretudo discursiva, ressaltando seu papel nos atos de significação, dada sua natureza de signo.
Em outras palavras, tal como definidos por vários participantes do Colóquio, os dispositivos não funcionam apenas; eles significam. Em função disso, são opacos[65], portadores de sentidos que não se entregam imediatamente, ao contrário do que pretendem muitas vezes visões reduzidas e redutoras. Numa época em que as problemáticas das mediações culturais e da midiatização[66] se embaralham cada vez mais, numa época em que as relações com o mundo passam por transformações extraordinárias e são relações cada vez mais mediadas por tecnologias de informação e comunicação complexas, operadas por organizações com atuação global, não se pode obliterar a questão tradicional da opacidade da informação, uma vez que ela se recoloca em novos termos, trazendo elementos não só para o presente e o futuro, como para nosso próprio modo de compreender o passado. Talvez, nunca como agora tenhamos tido tão clara a compreensão da História como construção. A tal ponto que alguns chegam inclusive a tomá-la simplesmente como sinônimo de ficção. Se tal exagero é difícil de se tornar aceitável, não é difícil todavia de ser compreendido como expressão de uma época em que a temática da representação retorna, muitas vezes sob perspectivas variadas, que remetem ao virtual, aos simulacros, dentre outra questões.
Em conclusão, a midiatização alterou nossa ecologia cognitiva, nossos canais de percepção e de relação com o mundo, e, em função disso, tornou-se, pois, necessário adotar conceitos capazes de traduzir questões de nosso tempo, permitindo-nos compreendê-las em dimensões que ferramentas historicamente localizadas no passado não viabilizam. Sendo assim, o conceito de dispositivo passou a incorporar-se às pesquisas em andamento, permitindo definir em novos termos questões básicas de nossa pauta de trabalho.
d) Mediação cultural
O conceito de mediação cultural é correlato ao de dispositivo. Na realidade, ao falarmos deste, na época contemporânea, estamos nos referindo sobretudo a instâncias de midiatização, conforme as distinções de Peraya, referidas antes. Considerado nesse sentido, o conceito de mediação cultural é central em nossos trabalhos, referindo-se a um conjunto de elementos de diferentes ordens (material, relacional, semiológica) que se interpõem e atuam nos processos de significação.
Segundo Lalande[67], mediação é a “ação de servir de intermediário entre dois termos ou dois seres (considerados como dados independentemente desta ação)”. Ao mesmo tempo ainda, segundo o autor, “mediação é a própria coisa que exerce ou que constitui uma mediação” e ainda, “o espaço e o tempo como mediações entre a liberdade e o mundo” (p.656). Segundo Méier; Garcia[68], o termo mediação, ao entrar para um dicionário de língua portuguesa pela primeira vez, em 1670, foi definido como “o ato ou efeito de mediar, ato de servir de intermediário entre pessoas, grupos, partidos, a fim de dirimir divergências ou disputa. No entanto, o termo foi-se ampliando e ganhando diferentes sentidos” (p.37). Assim, para a Filosofia, mediação é um processo criativo, mediante o qual se passa de um termo inicial a um termo final, enquanto que, para a Psicologia, mediação é uma seqüência de elos intermediários (estímulos e respostas) numa cadeia de ações, entre estímulo inicial e a resposta verbal no final do circuito ( p.37). Por outro lado, afirmam os autores, o termo aparece também na Astronomia, na Religião, no Direito, mas sempre no sentido de colocar em relação, aproximar, criar pontes entre elementos.
Se mediar é intermediar, é também ação de aproximar seres considerados como dados independentemente desta ação. Tal consideração implica dizer que a natureza, o modo de ser e de funcionar de tais seres não só estão presentes, como atuam efetivamente nos processos de mediação; da mesma forma, atuam a natureza, o modo de ser e de funcionar dos elementos mediadores. Diferentemente, portanto, de compreensões meramente instrumentais ou funcionais, tomamos em nossos trabalhos a mediação cultural como categoria intrínseca aos processos de significação, portanto, essencial, condição que leva a considerar os elementos que constituem seus processos não simplesmente como ferramentas, mas como signos, portadores de sentidos, agregados à economia das significações. A mediação cultural, tal como se apresenta nas pesquisas em curso, é, pois, ação de produção de sentidos e não mera intermediação ou transmissão anódina de signos.
Nesse sentido, os dispositivos informacionais são dispositivos de mediação e estão carregados de conceitos e significados. Necessitam, portanto, ser considerados além de suas dimensões funcionais. São processos simbólicos, discursos. Contam. Narram.
d) Estação do Conhecimento
O conceito de dispositivo como se viu, refere-se a um agenciamento de elementos tendo em vista uma finalidade. Nesse sentido, atenta não só para aspectos da gramática dos artefatos, como para sua finalidade, demandando, nesse aspecto, um qualificador. Por isso, alguns falam em dispositivos técnico-semióticos[69]; outros em dispositivos de comunicação e de formação midiatizadas[70], dentre várias qualificações necessárias à especificação do conceito.
Seguindo tal direção, foi possível distinguirmos conceitualmente, portanto, Dispositivos de Apropriação Cultural (DACs), dos Dispositivos de Conservação Cultural e dos Dispositivos de Difusão Cultural. Como do ponto de vista pragmático, seus elementos constitutivos e procedimentais não são necessariamente distintos em todos os seus aspectos (em qualquer tipo de biblioteca haverá, por exemplo, livros), a diferenciação decisiva entre os termos se encontra na configuração e nas práticas envolvendo os referidos elementos constitutivos, tendo em vista a finalidade diferenciada do dispositivo. Ser constituído e organizado para conservar, é diferente de ser constituído e organizado para difundir, que, por sua vez, é diferente de ser constituído e organizado para ser apropriado. Ainda que, por exemplo, todos possam em alguma medida preocupar-se em preservar os materiais informacionais, só nos dispositivos de conservação tal atitude é finalidade última, não nos de difusão ou de apropriação.
A partir de tais distinções, foi possível, pois, formular também uma categoria genérica que incluísse os vários tipos de DACs: as Estações Culturais. Estas se caracterizariam, assim, como agenciamento de elementos concretos e abstratos, pautados por critérios gerais de ordenação que visam processos de apropriação simbólica e de protagonismo cultural. Por outro lado, as distinções permitiram-nos elaborar também um termo específico para os dispositivos que vínhamos desenvolvendo, não exclusivamente, mas sobretudo em situações escolares, e cuja finalidade específica são as aprendizagens informacionais, indispensáveis aos processos de apropriação simbólica: as Estações do Conhecimento.
Se compartilham com as demais Estações Culturais objetivos gerais de apropriação simbólica e de protagonismo cultural, as Estações do Conhecimento têm, como se disse, objetivos específicos de desenvolvimento de aprendizagens informacionais, em programas orgânicos, realizados de forma sistemática e permanente. Dados quadros histórico-culturais vigentes em nossa sociedade, tais Estações do Conhecimento apresentam uma tendência quase natural de se situarem em ambientes de educação formal, como os escolares. No entanto, podem se desenvolver em ambientes não-formais e não propriamente educacionais, como mostrou um de nossos projetos, ao instalar várias delas em canteiros de obras da construção civil[71]. Na realidade, a finalidade de tais dispositivos é infoeducar, uma vez que, no mundo contemporâneo, todos nós necessitamos estar permanentemente aprendendo a nos informar, seja nas escolas, nos ambientes de trabalho ou domésticos, nas bibliotecas ou outras instituições culturais e estas precisam, por sua vez, refazerem-se em função de tais demandas.
Dadas suas características, as Estações do Conhecimento objetivam aprendizagens informacionais de um modo sistemático, realizam em caráter contínuo e permanente, projetos e programas de Infoeducação. Desse modo, diferentemente de outras Estações Culturais, elas não disponibilizam apenas informações tendo em vista sua apropriação, não oferecem apenas o peixe, mas, ao oferecê-lo, ensinam sistematica e continuamente a pescar nos oceanos da informação. São, nesse sentido, metadispositivos.
Infoeducação : área de estudos, área de atuação
Como já colocamos, anteriormente, apesar de herdeiros irrecorríveis da modernidade, não se sustenta em nossa época o entendimento segundo o qual basta distribuir cultura para que sua apropriação se dê. Tal perspectiva reduz a apropriação simbólica à apropriação material, desconsiderando a especificidade e especialidade dos bens culturais. A distribuição gratuita de livros às escolas, pelo Estado brasileiro, nas últimas décadas, é um exemplo bem acabado dessa direção. Milhões de livros são doados anualmente, segundo premissas de um distributivismo assistencialista, cujos resultados já tornaram o processo um escândalo público, questionado no interior do próprio Estado[72]. Desconsiderando as mediações educativas e culturais que se fazem necessárias para que os processos de apropriação simbólica se efetivem, o Estado brasileiro há vários anos vem desenvolvendo uma política de acesso físico a materiais bibliográficos, mas não uma política efetiva de educação e cultura. Não é casual, assim, o fantástico e irresponsável desperdício de recursos, de esforços e esperanças incrustados nesse filantropismo travestido de política educacional e cultural e que, para ser superado, necessita obrigatoriamente da constituição de uma indispensável trama de dispositivos e metadispositivos, concebidos tais como as Estações Culturais e as Estações do Conhecimento.
Se a apropriação simbólica demanda dispositivos específicos e ações orgânicas, sistemáticas e permanentes, voltadas às aprendizagens informacionais, tais ações não podem ser confundidas, em hipótese nenhuma, com didatismo ou formalismo explícitos. A Infoeducação não é ação vazia, centrada em procedimentos e modos de atuação desvinculados dos significados que se pretende construir. Não se trata, nesse sentido, por exemplo, de realizar nas Estações do Conhecimento escolares, programas de desenvolvimento de atitudes, competências e habilidades informacionais, desconectadas de conteúdos, programas e projetos disciplinares, interdisciplinares ou de outra ordem, lançados pelas próprias Estações. Desvincular as aprendizagens informacionais de conteúdos significativos seria um erro epistemológico grosseiro e, sem nenhuma dúvida, ao cabo de algum tempo, golpe na motivação dos aprendizes. Em tais condições, a busca da informação[73] implica ações de produção de sentidos, como forma de desenvolvimento de aprendizagens informacionais . Ela não é mero jogo formal ou técnico, não é realização mecânica de etapas que se sucedem umas às outras, de modo linear. Ao contrário, é ato cognitivo complexo, envolvendo escolhas, seleções, idas e vindas, que incluem, mas que estão muito além das skills e das questões procedimentais.
Novos saberes, novos fazeres entraram em cena na cultura de nosso tempo e demandam, pois, novos paradigmas e modos de atuar. Aprender a informar-se é, em decorrência, ação e reflexão sobre os aspectos imateriais e materiais da informação, é ação sobre os significados e os significantes, os saberes e seus dispositivos. Na realidade, aprender em tais circunstâncias contempla obrigatoriamente aprender a aprender, apropriação dos conteúdos culturais, bem como das matérias e processos que os viabilizam, eles próprios signos, discursos[74].
Nesses termos, existem diferenças de fundo e forma entre a Infoeducação e muitas das formulações que sustentam a Educação de Usuários, a Educação para a Informação e, especialmente, a Information Literacy. Em primeiro lugar, a Infoeducação não secciona Informação e Educação. Para ela, os fenômenos informacionais e educacionais não se separam, apesar de apresentarem autonomia e identidades próprias. Os dispositivos e as aprendizagens informacionais são, portanto, partes de um todo articulado que está na base dos processos de significação. De outro lado, seus objetivos situam-se além da funcionalidade, do savoir-faire informacional. Não se trata apenas, portanto, do desenvolvimento de habilidades ou, então, de competências informacionais[75] ; ainda que as considere, a Infoeducação coloca-as num quadro amplo de interrogações que remete tanto ao questionamento dos conteúdos informacionais, como da própria Informação e seus dispositivos, em suas múltiplas interações e ângulos.
As interrogações da Infoeducação dirigem-se, assim, não apenas aos modos de fazer, aos procedimentos implicados nos processos de apropriação simbólica; dirigem-se, sobretudo, às dinâmicas implicadas na construção das significações, aos sentidos da ordem cultural. Nesse aspecto, coloca os sujeitos em situação de protagonistas, de analistas conscientes das artimanhas do conhecimento, lançando-os, nas dimensões superiores do metaconhecimento. Não se trata somente de saber operar. Trata-se principalmente de saber operar reflexivamente, de enfrentar desafios que exigem domínio dos modos de proceder, mas sobretudo de suas razões de ser, como condição de sobrevivência do pensamento nos mares caóticos e revoltos da informação na contemporaneidade.
INFOEDUCADOR: fazeres da contemporaneidade
Se as exigências da apropriação implicam novas reflexões, novas áreas de estudos, implicam também novos fazeres, novos mediadores culturais, tal como no passado as finalidades de conservação e de difusão cultural geraram profissionais da informação, como bibliotecários, professores, jornalistas, redatores, editores, operadores de rádio, telégrafo e tantos outros, ligados a demandas culturais próprias do período histórico em que emergiram.
Nesse aspecto, nossa época vê surgir também novos profissionais, especializados em tarefas que até então não se apresentavam de modo explícito e orgânico na vida social. Dentre eles, no quadro das nossas colocações, entra em cena um profissional até então desconhecido: o infoeducador. A nova categoria, situada na interface dos profissionais da Informação e da Educação, entre, portanto, bibliotecários, documentalistas, professores e educadores em geral, não é o produto da soma simples destas categorias tradicionais, nem pedaços desconectados de cada uma delas. É, antes, um profissional de síntese, resultante de novos tempos histórico-culturais, dos novos modos de ser, de compreender, de se relacionar e atuar com o conhecimento e a cultura.
Nesse sentido, o infoeducador é um profissional que tem domínio da lógica e do funcionamento das Estações do Conhecimento e das Estações Culturais em especial, das Redes de Dispositivos Culturais em geral, para atuar como mediador de processos de aprendizagem informacional indispensáveis à apropriação simbólica e ao protagonismo cultural em nossa época. Seu conhecimento especializado não se destina à produção material dos dispositivos, já que isso extrapola suas competências e possibilidades, demandando profissionais de diferentes áreas, como bibliotecários, documentalistas, arquitetos, técnicos de informática, professores, dentre vários outros. Ele é, portanto e fundamentalmente, um gestor de recursos e de processos de mediação cultural, compreendidos de formas distintas das do passado, quando estavam em causa, especialmente, processos de conservação e difusão, mas dificilmente de educação para a apropriação cultural.
O infoeducador é, pois, um profissional de conexão. Suas ações articulam diferentes profissionais, tendo em vista a realização de projetos e programas de trabalho específicos, próprios à sua área de atuação. Na escola, por exemplo, ele articula tanto seu trabalho com os programas didático-pedagógicos das disciplinas, como desencadeia atividades que os extrapolam e enriquecem, tendo em vista objetivos específicos da Infoeducação.
Por outro lado, suas ações apresentam sempre vertentes de diferentes naturezas, voltadas à construção articulada, orgânica e sistemática de atitudes, competências e habilidades informacionais. Desse modo, o Infoeducador é profissional que trabalha tanto aprendizagens que remetem ao valor e à importância dos diferentes materiais informacionais (livros, jornais, revistas, CDs, DVDs, dentre outros), das diferentes instituições culturais (bibliotecas, centros de documentação e informação, centros culturais, livrarias, museus, casas de cultura e outros), das diferentes práticas culturais (ler, escutar histórias, ouvir CDs, assistir à TV, vídeos, comunicar-se via Internet), como aprendizagens ligadas a conceitos e modos de funcionamento dos diferentes dispositivos e redes culturais que caracterizam o mundo contemporâneo.
Infoeducação: definição
Considerando o que foi dito ao longo deste trabalho, talvez seja possível concluir com uma primeira definição de Infoeducação, mesmo se provisória. Desafio a ser enfrentado por novos trabalhos que se sucederão certamente a este e que , paulatina e permanentemente, deverão dar solidez e consistência à nova área de investigações, tal definição poderá ser útil no desenvolvimento de um campo que vem se mostrando essencial e indispensável em nossa época.
Desse modo, podemos definir preliminarmente Infoeducação como área de estudo, situada nos desvãos das Ciências da Informação e da Educação, voltada à compreensão das conexões existentes entre apropriação simbólica e dispositivos culturais, como condição à sistematização de referências teóricas e metodológicas necessárias ao desenvolvimento dinâmico e articulado de aprendizagens e de dispositivos informacionais, compatíveis com demandas crescentes de protagonismo cultural, bem como de produção científica, constituída sob novas óticas, nas chamadas Sociedades do Conhecimento.
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[1]O termo foi cunhado pelo autor do artigo para nomear o 1º Colóquio Brasil-França de Infoeducação, realizado na ECA/USP, em 2000.
[2] Cf. CHAMPY, P. ; ÉTEVÉ, C. Dictionnaire encyclopédique de l´éducation et de la formation. 3.ed. Paris: Retz, 2005. p. 491
[3] O grupo criado e coordenado até os dias atuais pelo Prof. Dr. Edmir Perrotti, na ECA/USP, foi inicialmente por ele constituído com alunos de curso de especialização do Depto. de Biblioteconomia e Documentação, da ECA/USP, somados a profissionais especialistas em diferentes áreas do conhecimento. O desenvolvimento das pesquisas levou seu coordenador a propor a criação do PROESI- Programa Serviços de Informação em Educação, iniciativa que possibilitou integrar às pesquisas em andamento outros professores do Departamento, como a Profa. Dra. Regina Keiko Obata e o Prof. Dr. Waldomiro Vergueiro, além de professores e alunos de graduação e de pós-graduação de outras unidades da USP e de fora da USP, como respectivamente a Profa. Dra. Cibele Taralli, da FAU/USP, e o Prof. Dr. Élie Bajard, do Ministério de Educação Nacional, da França. Ao mesmo tempo, a iniciativa permitiu intenso intercâmbio com instituições e pesquisadores estrangeiros, sobretudo franceses, liderados por Max Butlen, em missão cultural na Embaixada da França no Brasil (Projeto Pró-Leitura). As evoluções dos trabalhos produziram um terceiro momento do grupo que, a partir do ano de 2000, passou a ser constituído por seu coordenador, Prof. Dr. Edmir Perrotti, pela Profa. Dra. Cibele Taralli, pelas então doutorandas Ivete Pieruccini (atualmente professora da ECA/USP) e Linice da Silva Jorge, além das especialistas Antonia de Sousa Verdini e Maiah Pinsard Vianna, bem como de alunos de pós e de graduação. Em 2006, face aos avanços fundamentais decorrentes do momento anterior , uma nova etapa tem início, com algumas alterações em relação à formação da fase anterior. Nesse momento, o PROESI transforma-se em Núcleo de Infoeducação e a organização do grupo se altera, em função do término de formação em pós-graduação, de razões profissionais ou pessoais. Apesar, portanto, das inevitáveis idas e vindas naturais que ao longo do tempo foram acontecendo, o grupo de pesquisas criado em 1989, continua com um núcleo central estável, percorrendo os caminhos longos e difíceis, mas necessários à afirmação e desenvolvimento de uma nova área de estudos, definida e em desenvolvimento na ECA/USP, graças ao esforço coletivo de inúmeros parceiros, interessados em questões e abordagens pioneiras das relações entre Informação e Educação no campo científico e cultural, em geral.
[4] BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
[5] Cf. LE GOFF, J. Memória. In: GIL, F., org. Memória – história. Porto: Imprensa Nacional : Casa da Moeda, 1984. p.11-50. (Enciclopédia Einaudi, 1)
[6] VIRILIO, P. Estratégia da decepção. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
[7] LEVY,P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.
[8] Cf. MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
[9] Passim ARENDT, H.Condition de l´homme moderne. Paris: Agora-Plon, 1983.
[10]Cf. SANTOS. M. Elogio da lentidão. In: ______. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, 1999. p.36-7; 152-3.
[11] Cf. BURKE, P. Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
[12] São exemplos desta categoria os programas BIG 6, de EISENBERG, M. e BERKOWITZ, B., Disponível em:; CHERCHER pour trouver disponível em:
e o quadro APPRENDRE a s´informer, de Luce MARQUIS, apud BUTLEN, M.; COUET, M.; DESAILLY, L. Savoir lire avec les BCD. Paris: CRDP de l´Académie de Créteil, 1996. p.192-6.
[13] Cf. ALAVA, S.; ETEVE, C. Médiations documentaires et éducation. Révue française de pédagogie, Paris, n.127 : 119-165, 1999.
[14] Cf. BOURDIEU, P. O campo científico. In: ORTIZ, R. (Org.). Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo: Ed. Ática, 1983. p.122-55
[15] O termo protagonismo cultural, utilizado neste artigo, é elaboração nossa, destinada a nomear o fenômeno de participação ativa e afirmativa na vida cultural, na condição de produtor e criador de significados e sentidos, seja individualmente ou enquanto membro de um grupo ou uma coletividade.
[16] Apropriação simbólica contempla aqui apropriação de informações, de conhecimento e cultura. Sobre o conceito de apropriação, v. adiante p. 16-8
[17] Cf. PERROTTI, E. O texto sedutor na literatura infantil. São Paulo: Ícone, 1986 e PERROTTI, E. Confinamento cultural, infância e leitura. São Paulo : Summus, 1991.
[18] Cf. ESCARPIT, R. Sociologie de la littérature. Paris: PUF, 1992.
[19] Cf. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981
[20] Cf. BRUNER, J. Atos de significação. Porto Alegre: Artmed, 1997
[21] Trata-se do projeto Memórias do Baixo-Pinheiros, memórias de vida, memórias da cidade. Ação cultural com crianças e jovens.
[22] Cf. BENJAMIN, W. Experiência e pobreza. In: _________.Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1993. p. 114-119.
[23] Cf. FARIA, I. P. Estação Memória: lembrar como projeto. Contribuições ao estudo da mediação cultural. 1999. 177f. Dissertação (Mestrado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.
[24] VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
[25] Entenda-se bibliotecas, centros e núcleos de documentação, de informação, de memória, dentre outros.
[26] FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1984.
[27] DELEUZE, G. Qu´est que c´est un dispositif? In :_______. Michel Foucault philosophe. Paris: Le Seuil, 1989.
[28] Era da Informação, Sociedade da Informação; Sociedade do Conhecimento; Cibercultura
[29] ECO, U. O nome da rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.
[30] No Brasil, as lutas aparecem como objeto em: FRIERO, E. O diabo na biblioteca do cônego: como era Gonzaga? Belo Horizonte: Itatiaia, 1981.
[31] Cf. LE MOIGNE, J-L. Les épistémologies constructivistes. Paris: PUF, 1995. p.70-78.
[32] Cf. BARBIER, J.-M., dir. Savoirs théoriques et savoirs d'action. Paris: PUF, 1994.
[33] Cf. MEDINA, C.; GRECO, M. orgs. Saber plural: o discurso fragmentalista da ciência e a crise dos paradigmas. São Paulo: ECA/USP: CNPq, 1994. (Novo pacto da ciência, 3)
[34] SANTOS, B. de S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.
[35] Cf. GOZZI, R. M. Oficina de Informação: conhecimento e cultura na educação infantil. 230f. 2005. Dissertação (Mestrado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.
[36]Cf. FARIA, op. cit.
[37]Cf. OBATA, R. K. Biblioteca interativa: concepção e construção de um serviço de informação em ambiente escolar. 1998. 127f. Tese (Doutorado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo e SANTOS, V. M. Mediação documentária em ambientes educativos do terceiro setor. 2004. 2v. Dissertação (Mestrado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.
[38] Cf. BAJARD, E. Caminhos da aprendizagem. São Paulo: Cortez, 2002.
[39] O conceito de rede aqui refere-se a ações cooperativas e compartilhadas e não simplesmente a conexões técnicas.
[40] Cf. MARTIN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1997.
[41] Cf. BOURDIEU, 1983.
[42] Projetos realizados com um Centro Educacional, localizado em São Bernardo do Campo, com a Prefeitura de Diadema, na Grande São Paulo, a Casa Matheus, organização educativa do Terceiro Setor, situada em Mauá, também na Grande São Paulo, assim como com a Prefeitura de Jaguariúna, no interior do Estado de São Paulo.
[43] SERFATY –GARZON, P. Dictionnaire critique de l´habitation et du logement. Paris: Armand Colin, 2003. p.27-30
[44] Id. Ibid., p.27 et seq.
[45] GINSBURG, C. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo : Cia. das Letras, 1987
[46] LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 94
[47] CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Rio de Janeiro: Vozes, 1994.
[48] Escarpit diz que a leitura implica necessariamente um quero ( veux).
[49] CHARTIER, R. A aventura do livro: do leitor ao navegador conversações com Jean Lebrun. São Paulo: Imprensa Oficial/Editora UNESP, 1999a. p.77
[50] CHARTIER, R. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa, entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1999b.
[51] CHARTIER, 1999a, p.77
[52] COSTA, A.C.G.da. O adolescente como protagonista. Disponível em: <http://www.adolec.br/bvs/adolec/P/cadernos/capitulo/cap07/cap07.htm> Acesso em: 17 abr. 2007
[53] COSTA, 17 abr. 2007.
[54] FERRETTI, C.J.; ZIBAS, D.M.L.; TARTUCE, G.L.B.P. Protagonismo juvenil na literatura especializada e na reforma do ensino médio. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v.34, n.122, p. 411-23, maio/ago. 2004
[55] Id., ibid, p.422
[56] GADREY, J.; ZARIFIAN, P. L'émergence d'un modèle du service: enjeux et realités Paris: Ed. Liaisons, 2002.
[57] Sobre o termo, cf. BOURGUET, M. N. et al. Repenser la construction des savoirs: le terrain. Projet de recherche.
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[58] ESCARPIT, R. Sociologie de la littérature. Paris: PUF, 1958.
[59] BARKER, R.; ESCARPIT, R. A fome de ler. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas / Instituto Nacional do Livro, 1975.
[60] THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
[61] ESCARPIT, R. L´écrit et la communication. Paris: PUF, 1973.
[62] CHARTIER,R. Os desafios da escrita. São Paulo: Editora UNESP, 2002. p.61
[63] CHARTIER, 1999b.
[64] HERMÈS: cognition, communication, politique. Le dispositif: entre usage et concept. Paris: CNRS Editions, n.25, 1999.
[65] Ver, especialmente, o artigo de CHARTIER, A-M. Un dispositif sans auteur: cahiers et classeurs à l´école primaire. HERMÈS: cognition, communication, politique. Paris, n.25, p.207-218, 1999.
[66] Cf. PERAYA, D. Médiation et médiatisation : le campus virtuel. HERMÈS: cognition, communication, politique. Paris, n.25, p.153-168, 1999.
[67] LALANDE, 1996, p. 656.
[68] MEIER, M.; GARCIA, S. Mediação da aprendizagem: contribuições de Feuerstein e de Vygotsky. Curitiba: Edição do Autor, 2007.
[69] VERHAEGEN, P. Les dispositifs techno-sémiotiques: signes ou objets ? HERMÈS: cognition, communication, politique. Paris, n.25, p.111-121, 1999.
[70] PERAYA, 1999.
[71] Trata-se do projeto Biblioteca do Trabalhador, instalado em canteiros de obras, em parceria da Universidade de São Paulo com uma empresa de construção civil e a Secretaria Municipal de Cultura, de São Paulo, desenvolvido nos anos de 2001-2003.
[72] Cf. BRASIL. Tribunal de Contas da União. Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas do Governo SERPROG. Avaliação do Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE. Brasília : 2002. Disponível em:: Acesso em: 05 dez. 2006.
[73] PIERUCCINI, I. A ordem informacional dialógica: estudo sobre a busca de informação em Educação.
2004. 194f. Tese (Doutorado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.
[74] BUTLEN, M.; COUET, M.; DESAILLY, L. Savoir lire avec les BCD. Paris: CRDP de l´Académie de Créteil, 1996.
[75] Sobre o conceito de competência, ver especialmente, PERRENOUD, Ph. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999; PERRENOUD, Ph., org. As competências para ensinar no século XXI. Porto Alegre: Artmed, 2002.
Edmir Perrotti
Ivete Pieruccini (colaboração)
Introdução
O objetivo deste artigo é duplo. Em primeiro lugar, considerando problemáticas culturais próprias da contemporaneidade, pretende afirmar a necessidade de desenvolvimento de uma área de estudos centrada nas relações inextricáveis sempre existentes entre Informação e Educação, mas que vêm se redefinindo de forma extraordinária nas chamadas Sociedades do Conhecimento, alterando processos simbólicos fundamentais que nos constituem. Por nós nomeada de Infoeducação, tal área trata de forma englobante, dinâmica e articulada as questões informacionais e educacionais, consideradas tanto em suas dimensões teóricas quanto operacionais.
Por outro lado, pretendemos com este artigo lançar os fundamentos científicos da Infoeducação, por meio do registro de uma trajetória de pesquisa que, partindo da constatação da necessidade de estudos sistemáticos enfocando as relações entre Informação e Educação, resultou na definição da nova área, contribuição científica original e reconhecida internacionalmente[2] de pesquisadores brasileiros que continuam reunidos na Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo[3], para tratar de questões essenciais que afligem especialmente nosso tempo, bem como nosso futuro e, especialmente, nosso país.
Informação e significado: o problema
Somos seres do significado, ensina Bettelheim em seu já clássico A psicanálise dos contos de fadas[4]. Apesar de minimizar apressada e excessivamente o papel da produção cultural contemporânea como fator de educação das novas gerações, tendo em vista afirmar a importância da cultura tradicional dos contos, não há como deixar de reconhecer que o conhecido estudioso da subjetividade tem razão no essencial: nossa humanização é sígnica, constitui-se com e por meio dos signos.
Nesse sentido, não podemos ficar alheios à natureza e às dinâmicas culturais do passado, do presente e do futuro, uma vez que está em jogo nesse processo complexo, ativo e incessante nosso destino como espécie. No princípio era o Verbo, dizem as Escrituras, alertando-nos que, se produzimos signos, somos por eles produzidos, também. Em decorrência, sejamos crentes ou não, não há como escapar desse incontornável hibridismo: somos natureza e cultura, criadores e criaturas, matéria e espírito em proporções indivisíveis e imensuráveis.
Decorre daí que a luta pela memória[5] , pela significação, pela cultura foi sempre uma constante na história humana, ganhando na contemporaneidade contornos de uma verdadeira guerra, como nota Virílio[6]. Em nossa época, diferentemente do passado, entram na batalha componentes que ultrapassam a luta pela conquista política e manutenção de territórios físicos e simbólicos. Além desse aspecto, está em jogo nosso modo de ser, nossa identidade ontológica, categoria situada nas confluências da psicologia e da cultura, mas que as ultrapassa, por dizer respeito a nossa condição enquanto espécie.
A questão identitária é recorrente em momentos de grandes transformações, em vários campos como a filosofia, a ciência e a arte. São muitos os pensadores que face a mudanças radicais, voltaram-se para o tema, preocupados sobretudo com o homem unidimensional, a desumanização, a funcionalização de todas as coisas e a inevitável perda da dimensão ética da existência que nos liga uns aos outros. Catastrofismos à parte, não se pode deixar de perceber que, em nossa época, produzimos e recorremos com freqüência a expressões como massificação, robotização e outras de igual teor para manifestar nossa perplexidade, nosso mal-estar na civilização da cibercultura[7]. Esta não vem significando simplesmente o advento de novos modos de produzir, distribuir e receber conhecimento e cultura, como pretendem alguns de seus apologistas. Vem sendo, antes, o surgimento de um modo de pensar, sentir, agir até então desconhecidos, produzindo mutações que afetam nossa vida e diante das quais não ficamos incólumes.
Nesse quadro, não há como fugir a questões essenciais que dizem respeito à condição humana, como as da cultura e do conhecimento e, no nosso caso específico, à ciência e, particularmente, às ciências ditas humanas. Afinal, o que significam estes termos quando nossa identidade está em questão? O que significa conhecer, fazer ciência com consciência[8], construir sentidos, quando temos dúvidas sobre o que somos, o que seremos ou que queremos ser? Ainda que, por exemplo, a ciência sobreviva - e parece que ela é cada vez mais essencial no mundo atual-, em que condições sobreviverá o objeto das ditas ciências humanas? Como se apresentarão funções essenciais como a memória, a imaginação, o pensamento, os sentidos? A sobrevivência continuará significando capacidades de pensar, se emocionar, agir e, sobretudo, de relacionar-se, identificar-se, vincular-se ao outro? Qual, enfim, a direção das alterações promovidas pela cibercultura, qual seu projeto antropológico, uma vez que ela implica obrigatoriamente um? Se tanto o sagrado arcaico quanto o profano moderno não estão sendo capazes de responder às inquietações e aspirações dos novos tempos, a espécie continua precisando, contudo, de significados, ao menos no estágio em que ainda se encontra. Sem eles, perdemos o rumo, ficamos impossibilitados de atuar no mundo, de agir, no sentido dado ao termo por Arendt[9], ao distingui-lo de fabricação
A Era da Informação recoloca, pois, indagações radicais, próprias dos novos períodos históricos. Por isso, suas questões centrais não podem ser tratadas com a estreiteza que muitas vezes vem caracterizando os debates e as ações que as focalizam, reduzindo-as a dimensões operacionais importantes, mas que, em sua incessante e cada vez mais veloz fuga para frente[10], obliteram questões de fundo complexas e difíceis, mas talvez muito mais urgentes e necessárias. A funcionalização do debate é vício valorizado pelo maquinismo taylorista que precisa ser superado por novos saberes e fazeres, atentos, também, sem dúvida nenhuma, a questões operacionais, mas inscritos em quadros epistemológicos e axiológicos que não abrem mão nem das dimensões técnico-práticas, nem das ético-ontológicas da existência, entendendo-as não como categorias excludentes, mas recíprocas, indispensáveis à existência e desenvolvimento uma da outra.
Face a isso, o que significa, portanto, informar e informar-se na Era da Informação? O que representa produzir, fazer circular, receber, em números cada vez maiores, mensagens cujos teores não são necessariamente alcançados, transformados em conhecimento, conservando-se nas memórias naturais ou artificiais na mera condição de dados armazenados, desconectados entre si, reserva caótica à espera de varinhas de condão que lhes confiram magicamente significado e razão de ser? O que significa a memória, quando ela corre riscos de se transformar em obsessão, ironicamente apresentando-se como o outro lado do espelho, a face contemporânea do esquecimento, da perda de memória, não pela falta, mas pelo excesso? Por outro lado, como informar e informar-se em nosso tempo, quando modos tradicionais de participar da cultura e do conhecimento estão mudando, reaproximando os dois atos e apontando para possibilidades de superação de fragmentações históricas que a modernidade aprofundou[11]?
Se não se pode deixar de considerar esse avanço propiciado pela desfragmentação da informação, não se pode também deixar de lado o fato de que a nova situação exige investimentos de variadas ordens, subjetivas e objetivas, individuais e sociais para se realizar além de seus aspectos meramente mecânicos e técnicos de transmissão e arquivamento de dados. Face ao desenvolvimento tecnológico, histórico e cultural em suas diferentes dimensões, tanto informar, quanto informar-se são atividades não apenas cada vez mais imbricadas, mas também cada vez mais complexas e especializadas, envolvendo dispositivos, saberes e fazeres que, por suas características e condições, necessitam ser, eles próprios, continuamente desenvolvidos e apropriados, cultivados e redimensionados, como condição de sobrevivência e participação no universo do conhecimento e da cultura.
Desse ponto de vista, na atualidade, informar e informar-se envolvem saberes e fazeres especiais e especializados que, diferentemente de atitudes, competências e habilidades exigidas em passado culturalmente distinto e cada vez mais distante, dificilmente se constituem no simples fluxo do existir cotidiano. Dadas as implicações e dificuldades crescentes, geradas sobretudo pela midiatização e pela explosão informacional sem precedentes, entram em cena novos e variados aspectos axiológicos, conceituais e procedimentais que, para serem efetivamente apropriados, demandam ferramentas diferentes das utilizadas em outros momentos históricos, quando a vida era regida não só por outras lógicas, como por relações mais diretas e informais. Ler, produzir, publicar textos, nas telas dos computadores ou não; identificar a importância de uma notícia num canal de tv, dentre tantos à disposição; saber organizar ou acessar catálogos e documentos em bibliotecas longínquas, realizar ou saber escolher um CD, um filme, um DVD, uma exposição interessante dentre múltiplas possibilidades e ofertas presenciais ou virtuais; saber organizar fluxos informacionais profissionais ou pessoais, atribuir-lhes sentido, nada disso é tarefa simples e demanda aprendizagens não apenas informais e casuais, mas orgânicas e sistemáticas, de diferentes naturezas. Numa palavra, diante da avalanche informacional de nossa época, não há como deixar de refazer caminhos, mesmo se alguns segmentos socioculturais julguem corriqueiros os fazeres informacionais da atualidade. Nesse aspecto, convém lembrar que no passado, era comum às classes emergentes encherem suas salas de visitas de livros para exibi-los a seus convidados. Pretendiam, com isso, dar mostras de estarem-se apropriando da cultura letrada, coisa que até hoje não aconteceu para importantes setores dessas mesmas classes, apesar de seu poder de compra, de consumo cultural.
As novas possibilidades de produção, circulação e recepção dos signos criaram um quadro cultural onde a falta convive lado a lado com o excesso, o fortuito com o permanente, o virtual com o real, embaralhando fronteiras e percepções que alteram irremissivelmente relações com o conhecimento e o saber. Feito Teseus da contemporaneidade, vivemos hoje em labirintos sígnicos, necessitando de ferramentas e apoios especializados para sobreviver ao Minotauro. Face à falta de signos essenciais e, ao mesmo tempo, à profusão de mensagens e dispositivos de todas as espécies, quais aqueles a que prestar atenção, considerando-se sobretudo que atuamos nos quadros de uma economia de mercado globalizado, com grandes corporações especializadas na produção e distribuição de signos? Quais informações buscar, reclamar, assimilar? Quais valorizar? Quais desconsiderar, recriar ou rejeitar? Onde nos determos ou passar adiante? Quais, enfim, as trilhas a seguir nos processos essenciais e insubstituíveis do conhecimento e da construção de sentidos?
Achamo-nos, pois, numa situação em que, a falta de ferramentas e referenciais de conduta explícitos e claros, poderão significar submersão fácil nos oceanos da informação, incapacidade de realização de atos necessários aos processos de produção de sentidos e de significados. Nesses termos, é preciso construir tais recursos e deles nos apropriarmos, como condição de navegação nas águas agitadas e turvas da informação na contemporaneidade. Informação que, nesse ponto, encontra-se com a Educação, uma vez que a apropriação dos bens simbólicos não é ato simplesmente natural, mas culturalmente construído.
Informação e Educação: o recorte
Os campos da Informação e da Educação constituíram-se buscando eficácia nos mecanismos de transmissão do saber. Em função disso, relegaram os mecanismos de recepção a posições secundárias nos processos de significação, definindo-os quase sempre como simples desdobramento mecânico e reflexo da transmissão. Na segunda parte do século passado, em função dos quadros histórico-culturais que emergiram pós segunda guerra mundial, tal direção começou, contudo, a ser questionada não só teoricamente, mas também na prática. Nesse sentido, tanto uma área quanto a outra deslocaram o olhar para além dos horizontes da transmissão de informações, condição que lhes permitiu descobrir os usuários e os aprendizes como sujeitos dos processos simbólicos de que participam, tratando-os não mais como mera projeção dos desígnios da emissão.
Em decorrência dessa descoberta, desenvolveram-se, tanto no campo científico da Informação como no da Educação, importantes trabalhos centrados na nova compreensão. Assistimos, então, ao desenvolvimento crescente de estudos de usuários, que chegam a ser algumas vezes perspicazes; da mesma forma, vemos a implantação crescente de serviços de referência nas bibliotecas, centros de informação e de documentação. É do período, também, a adoção em vários níveis de ensino, da pesquisa escolar como prática pedagógica que confere ao aluno uma participação ativa nos processos de ensino-aprendizagem, alterando sensivelmente concepções e práticas tradicionais de uso da informação pela escola.
Como não poderia deixar de ser, tais direções desembocariam fatalmente em novas e importantes conexões do campo da Informação e da Educação. Ambas passam a partilhar, assim, a problemática comum das aprendizagens informacionais, como necessidade a ser enfrentada por época que vê os modos tradicionais de informar e de ensinar entrarem em crise e que deve refazer-se, considerando os novos contextos histórico-culturais e suas demandas. Desse modo, programas de educação de usuários, de educação para a informação, de information literacy, de diferentes naturezas[12], começam a ser desenvolvidos, em diferentes lugares do mundo[13], aproximando Informação e Educação, como resposta a realidades apresentadas pela Sociedade do Conhecimento.
Se tais aproximações são significativas e representam um avanço indiscutível em relação às posições reinantes até então, não conseguem, contudo, representar ruptura epistemológica capaz de vencer o dualismo que separa historicamente os campos e que vem acarretando dificuldades de várias espécies aos processos de apropriação simbólica. Dessa forma, ao deslocarem o olhar, focando-o não no informar e no ensinar, mas no informar-se e no aprender, Informação e Educação passam a desenvolver novas relações, sem, contudo, alterarem estruturalmente suas posições, correndo lado a lado, sem nenhuma dúvida, muitas vezes, colaborando mas também disputando-se e mantendo a já proverbial cisão entre informação e formação. Ocorre que, apesar das abordagens comuns, a cristalização disciplinar instituída e mantida não permitirá a superação dos vazios criados pela fragmentação e pelo isolamento dos territórios científicos, tal como foram definidos pela modernidade[14]. Em tal situação, os saberes de cada área são tratados como saberes exteriores aos campos particulares e não como categorias implícitas a ele; são considerados como conhecimento prévio a ser agregado aos conhecimentos especializados e não como parte constitutiva dos processos gerais de conhecimento.
Em tais condições, a ação sobre a recepção não é senão um modo novo de tratar um velho problema: a eficácia informacional e educacional, tendo em vista a formação de sujeitos em condições de produzir -e de competir- para os disputados mercados da era da informação. Daí a importância atribuída por ambos os campos às competências, termo que, na área da Informação, tenta impor-se como refúgio do engajamento possível deste início de século, em substituição, portanto, ao de aprendizagens informacionais, de natureza mais abrangente e que remete não apenas para as competências e habilidades, mas também e sobretudo para atitudes face à informação e a cultura.
Foi, pois, na tentativa de compreender tais relações históricas, bem como na de abrir novas e necessárias perspectivas às relações entre Informação e Educação, contribuindo, se possível, para a superação de fragmentações herdadas da modernidade, que passamos a desenvolver nosso programa de pesquisas na ECA/USP e cuja evolução resultou na criação de área de estudos por nós nomeada de Infoeducação. Área de síntese e de abertura a novos vôos; área científica e de ação sociocultural, apesar de estar em constituição e em definição, a Infoeducação já vem representando, contudo, importante contribuição à reflexão e à ação informacional e educacional, como se verá adiante.
Protagonismo cultural [15] e apropriação simbólica[16]: Objetivo e objeto
Tendo em vista o avanço da participação cultural na sociedade brasileira, tomamos, a partir do início dos anos 70, a apropriação simbólica como objeto de estudo, considerando-a em sua dimensão de apropriação de signos e significados, condição indispensável aos processos gerais de afirmação do protagonismo cultural. Desde então, detivemo-nos em variados aspectos implicados na apropriação da informação escrita por diferentes segmentos do país, tomando como categorias de análise, tanto produtos, como práticas culturais[17], adotadas por nossas instituições de educação e cultura.
Ao realizarmos tais trabalhos, estávamos focados na natureza e no sentido de mediações socioculturais correntes, uma vez que as entendíamos como categorias constitutivas e essenciais dos processos de apropriação simbólica. Nesse quadro, preocupava-nos especialmente, de um lado, a inadequação dos produtos culturais em circulação não só, mas sobretudo nos nossos processos escolares, face aos objetivos de protagonismo cultural que nos orientavam; somada a isso, preocupava-nos a inadequação de conceitos e práticas que confinam o conhecimento e a cultura em circuitos restritos, dificultando processos de apropriação abertos e comprometidos com a diversidade e a pluralidade do mundo; sem contar, evidentemente, as preocupações com as dificuldades históricas de acesso da população do país a diferentes produtos culturais e instituições, dos livros à Internet.
Desse modo, ao estudar textos literários destinados à infância no país, verificávamos que até os anos 70, estes tinham, em geral, um caráter didático-utilitário que indicava percepções de leitor, de leitura, de conhecimento e de cultura que iam em sentido contrário aos objetivos por nós perseguidos. Estruturados segundo critérios de uma gramática fechada e rebarbativa, os textos incentivavam, seja em seus conteúdos explícitos ou em sua estrutura implícita, relações pouco inventivas e afirmativas com o mundo e a cultura, atitude que, no passado, só a literatura lobateana foi capaz de superar, instituindo assim novos conceitos de literatura e de cultura destinadas a crianças e jovens no país.
Por outro lado, conforme nos indicava trabalho posterior, as mediações culturais, oferecidas pelo complexo educacional e cultural do país, pautavam-se também quase sempre pelas mesmas referências de reforço do mesmo e do idêntico, comprometendo-se não com a apropriação, mas com a assimilação cultural, atitude que acabou contribuindo para o esvaziamento dos significados e sentidos atribuídos historicamente a instituições como a Escola e a Biblioteca, gerando uma crise que o importante aumento quantitativo da estrutura educacional e cultural, na segunda metade do século passado, não conseguiria evitar. Não surpreende, pois, que os resultados das avaliações educacionais contemporâneas exibam os resultados mostrados recentemente, para escândalo geral, inclusive porções da nação que até há pouco voltavam as costas a tais problemáticas, entendendo-as como dado meramente acessório nos processos gerais de desenvolvimento.
Desse modo, se o protagonismo cultural era um objetivo a ser perseguido, sua realização implicava dimensões plurais e complexas, que necessitavam ser conhecidas e descritas em sua natureza e dinamismo. Estimulados sobretudo pela Sociologia da Leitura de Escarpit[18], bem como por escritos freireanos, como a Pedagogia do oprimido[19], iniciamos, pois, o estudo sistemático de questões envolvendo a apropriação simbólica, abordando-as numa perspectiva sociocultural que considerava como constitutivos dos atos de significação[20], tanto suas formas e conteúdos quanto os dispositivos que os objetivam.
Preocupados com repertórios culturais desprezados ou tratados inadequadamente pelos dispositivos informacionais e educacionais existentes no país, formulamos, assim, no final dos anos 80, projeto de pesquisa[21] levado a efeito no Departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP, onde atuávamos desde 1983, e que tinha por objetivo explícito estudar o sentido da experiência[22] em processos culturais envolvendo crianças e jovens. Relegada aos limites estreitos da esfera privada, a sabedoria corre riscos de não encontrar espaço para sua circulação no mundo contemporâneo, visto que modos de convivência atuais passam por transformações profundas, incapazes de assimilar conteúdos e modalidades de transmissão de signos herdados do passado. Apoiados pelo CNPq, passamos, assim, a coletar e organizar um acervo de relatos de idosos de uma região da cidade de São Paulo, tendo em vista disponibilizá-lo por meio de práticas culturais de diferentes naturezas, como publicações e recriações das histórias de vida em textos ficcionais e encenações dramáticas, dentre outros.
Ao tentar compreender as relações entre experiência, cultura e educação, o projeto pretendia, também, construir referências que pudessem orientar processos de re-qualificação de tais relações, visto que o protagonismo cultural não era por nós definido de modo formalista, como mera função ativa, desprovida de valores e significados culturais. Nesse aspecto, o projeto chamava a atenção para a mediação cultural como processo de significação, o que vale dizer, ato que ultrapassa em muito aspectos meramente técnicos ou formais de disponibilização de dados. Em decorrência, passamos a trabalhar na sistematização de uma metodologia de mediação cultural que pudesse aportar contribuições às questões de apropriação simbólica por nós estudadas.[23]
Os resultados do projeto foram extremamente animadores, comprovando a força essencial e mobilizadora dos relatos tanto para as novas gerações, como para os idosos que, no processo, ressignificavam e reapropriavam-se de suas histórias de vida, estabelecendo vínculos extremamente vivos e fortes com crianças e jovens que com eles entraram em contato direto, durante a pesquisa. Nesse sentido, se as evidências indicavam a necessidade de ir adiante em nossas reflexões e questionamentos, exigiam, também, a contextualização das práticas em quadros de referência teóricos e operacionais distintos dos até então utilizados. A pesquisa mostrava que, por mais transcendência que os repertórios e as mediações por nós propostas pudessem produzir, implicavam obrigatória e necessariamente a objetividade de dispositivos que as modelavam e que precisavam ser compreendidos com maior precisão, em seus múltiplos e dinâmicos aspectos relacionais, semiológicos e materiais.
Desse modo, face à dependência de condições impostas pelos ritmos escolares, uma vez que as ações de apresentação das memórias às crianças e jovens foram desenvolvidas em uma escola pública, passamos a trabalhar no desenvolvimento de um novo dispositivo, a princípio nomeado Arquivo cultural, mas cuja evolução resultou na criação da Estação Memória. Tornava-se necessário criar ferramentas capazes de promover a compreensão dos atos de significação, tomados não como epifanias, geradas à margem do tempo e do espaço, mas, ao contrário, como fenômenos de ordem subjetiva, situados em referência a quadros históricos concretos onde ganham conformidade. Se compreendíamos, assim, que os atos de apropriação simbólica não se esgotam em seus aspectos socioculturais, compreendíamos também, com Vygotsky[24] e outros, que não se esgotam tampouco em dimensões subjetivas inacessíveis e irredutíveis. Estávamos às voltas, portanto, com fenômenos complexos, espécie de jogo permanente de interferências mútuas de variadas procedências internas e externas aos sujeitos e necessitávamos investigá-los com ferramentas que permitissem abrir o olhar para essa perspectiva abrangente e integradora.
A partir de então, um universo novo de questões se apresentou, fazendo com que os estudos da apropriação cultural fossem retomados em novas perspectivas conceituais e metodológicas. Os dispositivos culturais[25], seus conceitos, configurações e modos de atuar passam a ocupar, portanto, um lugar novo em nossos trabalhos e a ser estudados não apenas enquanto instâncias de mediação a serem observadas e analisadas, mas sobretudo enquanto realidades a serem inventadas e reinventadas, a partir de critérios que cabia à pesquisa definir.
Temática cara a diferentes autores contemporâneos como Foucault[26] [27], o estudo do papel dos dispositivos como categoria constitutiva dos atos simbólicos representava um salto importante, uma vez que implicava uma visão não-fragmentada e não-idealista das questões envolvendo nossas transações com os significados. Tal ponto de vista era especialmente importante nas Sociedades do Conhecimento, quando modos de produzir, distribuir, receber cultura ganham contornos extremamente distintos dos herdados da modernidade, dependendo cada vez mais de artefatos técnicos, de instituições, redes e circuitos especializados que são, eles próprios, discursos, significante e significado, produto e produção cultural de um tempo e lugar localizados e identificáveis, apesar da rica polissemia procedente de diferentes matrizes[28], utilizada em sua nomeação.
Evidentemente, nossas opções pelo protagonismo cultural refutavam, por princípio, compreensões correntes em vários discursos sobre a cultura e que situam os sujeitos sociais não em posição de protagonistas, mas de usuários, quando não, clientes, consumidores culturais. Nos quadros de referência que nos orientavam, não cabiam tais termos e concepções, por mais que atentássemos aos aspectos de uso implicados nos gestos culturais, assim como a suas dimensões econômicas e materiais.
Apropriação cultural: um novo paradigma
A História é pródiga em dar exemplos de instituições monumentais criadas com a finalidade de guardar a memória dita coletiva e de cuidar para que esta se conserve através dos séculos, se possível sem arranhões nem nos documentos, nem nos sentidos neles depositados. Se a atitude pode, sem nenhuma dúvida, ser entendida como necessidade essencial de preservação do passado, tendo em vista sua compreensão como referência para o presente e o futuro, pode, também, como fez Eco[29], ser compreendida como forma de luta pela manutenção de posições consolidadas que não admitem variações.
Se ideais antigos e medievais de conservação cultural deram, pois, origem às tais instituições monumentais, focadas em objetivos conservacionistas, foram, porém, postos em questão por um novo ideário nascido com os Tempos Modernos e que, especialmente, os Iluministas trataram de formular e promover por meio de diferentes iniciativas, como por exemplo, a Enciclopédia. Esta, em sua concepção e forma correspondia a demandas do novo tempo e era um exemplo acabado de produto nascido não mais sob o signo da conservação, mas sim da difusão cultural. Para o Iluminismo, difundir cultura era um princípio essencial, intrínseco à construção da nova ordem histórica que sucedia à ordem medieval.
Ideais- e lutas[30]- como a dos Iluministas resultaram, pois, na criação de instituições pautadas pelo novo paradigma da difusão cultural, referência que se estenderá até os dias que correm, em que pesem evidências de seu esgotamento face às novas circunstâncias históricas que colocaram a modernidade em crise. Nesse sentido, se as instituições de difusão cultural, como por exemplo as bibliotecas públicas estimuladas pelos filantropos ingleses do século XIX , significaram possibilidade de acesso a informações e conhecimentos negados até então a diferentes segmentos populacionais, de outro lado, representaram também ferramenta, visando à assimilação pelas massas dos valores e comportamentos das elites culturais. Desse ponto de vista, os ideais difusionistas tinham em mira a integração social, via assimilação cultural e não por meio de questionamento e negociação dos signos. Seus critérios não levavam em conta processos de inclusão que colocassem em causa tanto os modos, como os próprios ideais culturais incrustados em suas instituições e nas relações com o conhecimento e a cultura por elas promovidos.
Resulta, pois, de tal perspectiva, a dissonância conceitual e operacional de inúmeros dispositivos culturais criados pela modernidade, quando se tem em mira aspirações de relação ativa e criativa com a cultura. Em nosso país, por exemplo, instituições como bibliotecas públicas e escolares, quando existem, são quase sempre inadequadas às demandas de criação e participação cultural. Constituídas sobre as premissas da conservação ou da difusão, quando não da oscilação entre uma e outra ordem, não são capazes de responder a demandas de conhecimento que signifiquem modos afirmativos de atuação e de relação com os signos.
Dessa forma, nem os dispositivos concebidos sob os ideais conservacionistas, herdados da Antiguidade e da Idade Média, nem aqueles pautados pelo difusionismo moderno atendiam aos nossos propósitos, o que nos obrigou a romper com o conservacionismo e o difusionismo do passado, atribuindo novos valores à assimilação e à difusão. Foi assim que nomeamos e adotamos o paradigma da apropriação cultural como referência de trabalho. Segundo ele, conservação e difusão são categorias-meio, instrumentais, e não categorias- fim nos processos culturais que nos interessavam. Em tal circunstância, instituições de memória como as do passado, não serão vistas como depósitos inertes a serem cultuados, mas repositórios culturalmente marcados, onde contemporâneos podem se alimentar para protagonizar o presente e o futuro.
Dado o patamar em que se encontram os estudos na área cultural, as pesquisas em realização apontavam para uma dupla direção. De um lado, estabeleciam distinções fundamentais a seu próprio desenvolvimento. De outro, com suas formulações, podiam servir ao avanço conceitual de áreas como a Informação, a Comunicação, a Educação e a Cultura, fornecendo ferramentas teóricas novas e importantes para a compreensão dos caminhos tomados pelas questões culturais em geral. Estávamos, pois, produzindo contribuições científicas significativas, ao definir e adotar epistemas, como o paradigma da apropriação cultural.
Decorrência disso, não poderiam ficar à margem os modos de fazer e de compreender a ciência e seus processos e critérios gerais de produção, circulação e recepção social. O percurso em realização exigia um redimensionamento teórico e prático de suas ferramentas, de modo a adequá-lo aos termos de uma época que reclama participação afirmativa e crescente de todos na cultura.
Das cooperações à pesquisa colaborativa como método
A evolução dos estudos levou-nos, assim, à exigência de elaboração de instrumental científico especial, indispensável a seu desenvolvimento. Em conseqüência, tivemos que construir dispositivos que eram ferramentas e objeto de pesquisa, ao mesmo tempo. A distinção entre meios e fins se anulava e só voltava a existir quando tais termos eram considerados em dimensão relativa, dependendo da perspectiva adotada pelos diferentes colaboradores que participariam da sua construção. Tal fato, obrigou-nos a lançar mão de concepções e procedimentos metodológicos não-ortodoxos, que rompiam não só com a distinção referida, mas com diferentes aspectos da herança científica clássica, inscrevendo nossos trabalhos numa perspectiva construtivista[31] que ultrapassava a divisão rígida, estanque e hierarquizada entre observação e participação, entre saberes formais e saberes da ação[32] , fazeres científicos e fazeres empíricos, experimento e ação, laboratório e serviço, pesquisa e extensão.
Dessa forma, por razões epistemológicas teóricas e operacionais desenvolvemos caminhos científicos que nomeamos e, atualmente, estamos sistematizando, como pesquisa colaborativa, direção que conceberá o conhecimento científico resultante de ação cooperativa, pautada pela negociação de signos entre iguais e diferentes, por meio de interações entre pesquisadores de variadas áreas e destes com especialistas e profissionais de diversos campos de atuação e funções.
Orientados por princípios da interdisciplinaridade, mas extrapolando-os, ao incorporar aos nossos estudos, como categoria metodológica, os saberes e fazeres plurais[33], passamos a desenvolver um novo e desafiante percurso, pautado não apenas pela troca de saberes da mesma natureza, mas pelo diálogo e pelo confronto entre conhecimentos e práticas constituídos a partir de critérios e demandas distintas, mas que se uniam em torno dos mesmos objetos e objetivos: a apropriação simbólica e o protagonismo cultural.
Em decorrência das opções efetuadas, nossas pesquisas recolocaram questões essenciais, como as relações entre teoria e prática, ciência e sociedade, ciência e conhecimento, ciência e senso-comum, exigência que nos obrigou a rever compreensões e refazer caminhos que, como ressalta Boaventura Santos[34], não são nada fáceis, mas instigantes, profícuos e indispensáveis.
No quadro de tais preocupações, estabelecemos parcerias com diversas instituições públicas e privadas, o que permitiu a criação e implementação de novos e diferentes dispositivos informacionais em ambientes de educação formal (escolas de educação infantil, ensino fundamental, médio e superior) e não-formal, bem como compreensões agudas e inovadoras do objeto que nos ocupava. Em cooperação com a Divisão de Creches, da COSEAS/USP, realizamos a implantação da Oficina de Informação[35], na Creche Oeste, situada no campus da USP, em São Paulo, e destinada a crianças de 0 a 6 anos. Da mesma forma, o projeto Memórias do Baixo-Pinheiros, memórias de vida, memórias da cidade, formulado em 1989, evoluiu para criação da Estação Memória, um novo serviço de informação e cultura, desenvolvido em parceria com o Departamento de Bibliotecas Infanto-Juvenis, da Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo e implantado, em 1997, na Biblioteca Infanto-Juvenil Álvaro Guerra[36], em funcionamento até hoje. Por outro lado, em cooperação com a Escola Municipal de Ensino Fundamental Roberto Mange, da Secretaria de Educação do Município de São Paulo, desenvolvemos no final dos anos 90, um projeto de Biblioteca Interativa, financiado pela FAPESP, na linha de programas visando à melhoria do ensino público[37], com a finalidade de desenvolver um novo conceito de biblioteca escolar que correspondesse aos objetivos que perseguíamos. Do ponto de vista da construção metodológica, portanto, tais cooperações, bem como as que se seguiriam até o presente, nos permitiram percorrer caminhos que devidamente articulados e sistematizados permitiram formar um corpo de concepções e procedimentos que ultrapassam simples aspectos estratégicos de ação cooperativa para adquirir um novo estatuto científico-metodológico de pesquisa colaborativa.
Da Biblioteca Interativa às Redes de Informação: a abordagem reticular
O projeto de Biblioteca Interativa consistiu na criação de uma unidade de informação em estabelecimento de ensino, tendo em vista contribuir para a melhoria do ensino público, por meio do desenvolvimento de novos conceitos de Serviços de Informação em Educação. O desenvolvimento das pesquisas indicou a importância da proposta, a capacidade de a Biblioteca Interativa promover novas atitudes e interesses pelo conhecimento, de alterar processos de ensino-aprendizagem[38], de possibilitar gestos culturais significativos. Por outro lado, a pesquisa evidenciou, também, a necessidade de repensar a posição do dispositivo no quadro geral da cultura da informação, uma vez que o isolamento da instituição escolar colocava em risco o desenvolvimento da biblioteca interativa, tão logo os vínculos com a Universidade deixassem de existir. Desse modo, o ciclo vital do novo dispositivo estava afetado pelas históricas condições de confinamento cultural que marcam a maioria de nossas instituições educativas, incluindo aí, a Universidade, sendo necessários novos conceitos e práticas para se superar tal dificuldade. Nesse sentido, a pesquisa cooperativa necessitava ganhar novas categorias, pois era, ao mesmo tempo, pesquisa- extensão universitária, processo de construção e de circulação de conhecimento em interação com a comunidade, atitude permanente de ruptura de bloqueios que cerceiam o conhecimento e sua apropriação social.
Compartilhando resultados evidenciados pela pesquisa com a equipe escolar, bem como com a equipe técnica da Secretaria Municipal de Educação, da Prefeitura de São Paulo, propusemos, então, o desenvolvimento de uma rede cooperativa, de caráter permanente, a ser constituída a partir da articulação da Bibiblioteca Interativa do Mange com a USP e com as Salas de Leitura das escolas da região do Butantã. Era uma forma de não romper o circuito que se mostrara tão essencial aos processos de apropriação promovidos pelo novo dispositivo, bem como forma de ir estendendo, sem ônus, resultados importantes do projeto a outras escolas da região e, mais adiante, talvez, a toda rede escolar.
Todavia, se a equipe da Escola Roberto Mange, bem como a equipe da Coordenadoria de Educação do Butantã foram imediatamente favoráveis à proposta, um ofício da Secretaria de Educação, onde se localizava a instância central, coordenadora das Salas de Leitura das escolas municipais, informou que a gestão não a implementaria. Desse modo, se inicialmente a Coordenação das Salas de Leitura se manifestara formalmente contrária aos trabalhos de implantação da Biblioteca Interativa, sem, no entanto, ter com isso conseguido impedir a iniciativa da comunidade escolar, por outro lado, dificultava, agora, seu avanço em nome de justificativas não procedentes educacionalmente. Ficava evidente, com isso, que as relações entre dispositivos e apropriação simbólica não eram, apenas, de ordem conceitual ou metodológica, mas sobretudo políticas e administrativas, implicando conflitos que necessitavam ser incorporados ao projeto como categoria epistemológica. Estavam em causa, portanto, relações entre ciência e sociedade que não podiam ficar alheias à pesquisa cooperativa.
Se somente na gestão posterior foi possível retomar contatos com a Secretaria de Educação do Município de São Paulo, foi possível, todavia, a partir da experiência do Mange, e, em cooperação com a Secretaria de Educação de São Bernardo do Campo, desenvolver uma Rede Escolar de Bibliotecas Interativas (REBI), incorporando várias conquistas e propostas do projeto precedente e, ao mesmo tempo, lançando novas indagações e buscas.
Esforço excepcional e exemplar no ensino público do país, a REBI iniciou seus trabalhos com a implantação de seis bibliotecas interativas conectadas entre si[39], em unidades escolares do município, número que imediatamente começou a crescer e que atualmente já atinge mais de 70 unidades. Seja pelo caráter inovador do projeto, ou pela dinâmica própria a iniciativas de sua envergadura, pela velocidade de sua expansão, pelas reflexões e tomadas de posição inadiáveis que o trabalho propunha, conseguimos, com a REBI, resultados que confirmavam e clareavam questões novas, como o sentido e o papel fundamental da organização em rede como fator de desenvolvimento das bibliotecas interativas. Tal modo de ser contribuía enormemente para a qualidade das unidades informacionais, dos profissionais que aí atuavam, para a apropriação dos dispositivos pela comunidade escolar, dentre outros benefícios igualmente importantes. Ao mesmo tempo, a REBI permitiu, também, o aprofundamento da compreensão das relações entre Universidade e terreno, deixando claro a existência de uma zona irredutível entre as categorias que necessita de tratamentos não só formais como especiais, único modo de não permitir que a pesquisa cooperativa sucumba a idiossincrasias não apenas políticas, mas também pessoais e institucionais. Em outras palavras, a REBI deixava clara a necessidade de instâncias e de protocolos de mediação, devidamente formalizados e nomeados em sua natureza e funcionamento, já que relações apenas informais ou indevidamente explicitadas não são capazes de definir limites entre coordenação e subordinação entre as partes.
Em outro sentido, se a problemática conceitual, metodológica, operacional da REBI mostrava um dinamismo e um potencial de inovação e desenvolvimento verdadeiramente excepcionais, alastrando-se para domínios que extrapolavam o âmbito escolar, deixava claro, também, que as cisões históricas entre os campos informacional e educacional precisavam ser retomadas, observadas com maior atenção, já que muitas vezes ordem informacional e ordem educacional concorrem nas mais diferentes situações, apresentando dificuldades de articulação que ocasionam obstáculos à exploração e apropriação dos novos dispositivos, em suas possibilidades pedagógicas e culturais. Era preciso, portanto, insistir nas articulações inextricáveis entre meios e mediações[40], rompendo em todos os aspectos com dualismos e polarizações que iam no sentido contrário às nossas propostas. Se distinguíamos, com base em Bourdieu[41], ordem informacional de ordem educacional, de outro lado, entendíamos que estas se encontram e integram na dimensão superior da significação, apresentando-se, mesmo se irredutíveis, como categorias inseparáveis em sua dimensão semiológica. Nesse aspecto, sem se reduzir um a outro, informar é educar, assim como educar é informar. Além disso, no mundo contemporâneo, tais atos envolvem dispositivos complexos e diferenciados que caracterizam de modo especial processos de significação, configurando quadros que atitudes corporativas de policiamento da ordem educacional ou cultural serão incapazes de deter, como nos mostrava a própria evolução da REBI.
Das Redes de Informação às Redes de Infoeducação: a abordagem orgânica
Se as trilhas abertas pela REBI confirmavam a importância funcional das redes de informação, levaram-nos a compreender também, com suas dinâmicas internas e externas, os próprios atos de significação como atos em rede. Os projetos evidenciavam que, em torno dos ambientes criados, organizavam-se tramas complexas de relações que introduziam no
vos sentidos e fazeres nos espaços escolares. Nesse sentido, era preciso continuar dando ênfase às redes não apenas em sua dimensão funcional, mas sobretudo compreender as possibilidades culturais que sua capilaridade propiciava. Em outras palavras, as redes de informação deveriam ser entendidas, também, como redes de significação, integrando num só e mesmo processo informar e informar-se.
Em função disso, passamos a realizar novos projetos, agora nomeados como Redes de Infoeducação[42], terminologia que explicitava as compreensões reticulares, dinâmicas e orgânicas que então integravam nossos trabalhos, como alternativa à ordem social fragmentada e caótica que necessitava ser enfrentada. A nova nomeação significava a compreensão da existência de vínculos mútuos e inextricáveis entre meios e mediações, no caso específico, entre bibliotecas interativas e práticas educativas, embora tal reconhecimento não desconsiderasse diferenças que conferem identidade a cada categoria. Estávamos preocupados com dualismos e polarizações, entre a ordem material dos dispositivos e as ações ali desenvolvidas, já que, muitas vezes, tomava-se o material pelo imaterial –e vice-versa- caminho que ia em direção oposta às compreensões que alimentam nossas pesquisas. As Redes de Infoeducação traduziam, pois, um modo novo e reticular de compreender e abordar os processos de apropriação simbólica, bem como uma perspectiva orgânica e não-fragmentada das relações entre Informação e Educação.
A Hipótese
Os trabalhos desenvolvidos tinham por base uma hipótese segundo a qual existiria uma vinculação essencial, inextricável, dialética e complexa entre dispositivos de informação e cultura e os processos de apropriação simbólica, correlata à vinculação existente entre ordem cultural e educacional, demandando o desenvolvimento de novos dispositivos e de aprendizagens informacionais indispensáveis ao protagonismo cultural nas sociedades do conhecimento.
Face a tal hipótese, tornou-se necessário isolar alguns conceitos fundamentais como os de apropriação simbólica, de protagonismo cultural e de dispositivos de informação e cultura. Da mesma forma, foi preciso desenvolver conceitos específicos como os de estação do conhecimento e de dispositivos de apropriação cultural (DACs).
CONCEITOS
a) Apropriação Cultural
Estudando “a noção de apropriação”, Serfaty-Garzon[43] lembra que o termo “veicula duas idéias dominantes. De uma parte, a de adaptação de alguma coisa a um uso definido ou a uma destinação precisa; de outra, decorrente da primeira, a de ação visando a tornar alguma -coisa sua”. Por tal razão, “a apropriação não é possível senão em relação a qualquer coisa que pode ser atribuída e, enquanto tal, pode ao mesmo tempo servir de suporte à intervenção humana e ser possuída”. Como conseqüência, “a noção de propriedade constitui uma dimensão importante da apropriação”. Todavia, “tal noção tira seu sentido e sua legitimidade não da existência de um título legal atestando a posse jurídica de um objeto, mas da intervenção judiciosa de um sujeito sobre este último. A propriedade é aqui de ordem moral, psicológica e afetiva”.
Se a “propriedade jurídica” pode ser um dos elementos da apropriação, ela não se constitui, em sua “condição ou conseqüência necessária”. Face a isso, continua Serfaty-Garzon,[44] “o objetivo desse tipo de possessão é precisamente de tornar própria alguma coisa, isto é, de adaptá-la a si e, assim, transformar essa coisa em um suporte de expressão de si. A apropriação é, desse modo, ao mesmo tempo, uma tomada do objeto e uma dinâmica de ação sobre o mundo material e social com uma intenção de construção do sujeito”. Nesses termos, implica sempre uma faceta de vinculação do “mundo material e social” aos desígnios subjetivos do sujeito, daquele que se apropria, do mesmo modo que o transforma, num processo dinâmico que implica investimento e luta, mas seguramente ganhos, sendo, portanto, o reverso da expropriação.
Tal definição de apropriação permite-nos dar conta do segundo termo restritivo de nosso objeto. Não tratávamos de qualquer forma de apropriação, mas sim da apropriação simbólica. Interessavam-nos fenômenos que, apesar de contemplar uma dimensão material e objetiva, não se restringem a ela, envolvendo processos imateriais e subjetivos essenciais à sua realização. Na realidade, nosso trabalho integrava a materialidade dos objetos culturais em seu horizonte de expectativas. Todavia, reconhecia também a autonomia relativa da dimensão simbólica, capaz de extrapolar, em muitos aspectos, limites impostos pela ordem material. De resto, interessava-nos inclusive saber em que dimensões tais limites atuam, pois trabalhos como o de Ginsburg[45] abrem pistas importantes para a discussão de tais questões. A história do infeliz moleiro queimado nas labaredas da Inquisição é exemplar e não permite estabelecer linhas diretas entre materialidade e imaterialidade, em se tratando de temas culturais.
Por outro lado, a definição de apropriação nos termos propostos, permite-nos também distingui-la de assimilação, distinção fundamental, tendo em vista nossos objetivos de protagonismo cultural . Desse modo, apropriação é transformação que vai no sentido do semelhante para o diferente, do mesmo para o outro. Ao contrário, a assimilação é “transformação que vai do diferente para o semelhante, do outro para o mesmo... [opondo-se] à diferenciação”[46]. A percepção de tal distinção permitiu, por exemplo, a Certeau[47] conferir ao leitor o estatuto metafórico de caçador que cavalga inadvertidamente em campos que não lhe pertencem, mas que lhe fornecem alimentos indispensáveis à sua sobrevivência. Com isso, o autor de A invenção do cotidiano chama a atenção para uma característica diferenciadora da apropriação: o investimento do sujeito na ação por ele realizada, movido por forças vitais do desejo e da vontade[48] que o impulsionam. Portanto, a apropriação implicaria atuação e afirmação dos sujeitos nas dinâmicas de negociação de significados; representaria, no caso específico que nos interessa, transação de significados que diferencia e constitui os negociadores como sujeitos da cultura, protagonistas, cidadãos.
Chartier[49] fornece-nos também elementos para compreender a apropriação. Segundo ele, apropriar-se é transformar o que se recebe em algo próprio, é produzir um ato de diferenciação que se contrapõe a qualquer tentativa rígida imposta pela ordem dos livros [50], é atividade de invenção, produção de significados. Por isso, continua o autor, toda história da leitura supõe, em seu princípio, esta liberdade do leitor que desloca e subverte aquilo que o livro lhe pretende impor. Apropriar-se, portanto, é ação afirmativa, é invenção e criação e não simples recepção mecânica e automática de sinais ou de mensagens[51].
b) Protagonismo Cultural
No teatro grego, o protagonista designa aquele que ocupa o lugar principal no desenrolar da trama, em oposição ao antagonista e ao coro que, em geral, ocupam lugar coadjuvante na economia dramática. Proto significa o primeiro, o principal; agon significa luta,disputa, combate; agonista, aquele que luta, sendo que tal termo é a base de formação tanto para protagonista/protagonismo, como para antagonista/ antagonismo. Nesse sentido, o termo protagonista não só indica um lugar, uma hierarquia, como também- e sobretudo- um combate, a luta contra forças de diferentes ordens naturais ou históricas, tendo em vista a afirmação de valores que regem a vida comum, já que o protagonista define-se em relação a valores gerais e não apenas individuais, como ocorrerá, por exemplo, com o herói romântico. Nesse sentido, diferentemente do significado moderno, o protagonista define-se em relação ao coletivo, às bases éticas e morais que regem a vida da polis e que, por alguma razão, acham-se ameaçadas.
Foi, portanto, ligado à luta, à resistência, à afirmação da participação na vida coletiva que o termo protagonismo foi retomado em várias áreas da ação social, servindo tanto para redefinir o caráter das diferentes ações, como o estatuto de sujeitos que aí atuam e as relações mantidas entre eles. O termo vem sendo, assim, utilizado no corpo dos movimentos de resistência e reivindicação populares, da mesma forma que em situações envolvendo especialmente crianças e jovens em diferentes processos sociais e educacionais.
Segundo Costa[52], um dos autores que, entre nós, vem sistematizando o conceito, aplicando-o ao terceiro setor,“o centro da proposta é que, através da participação ativa, construtiva e solidária, o adolescente possa envolver-se na solução de problemas reais na escola, na comunidade e na sociedade”. Segundo ele, ainda, “no interior dessa concepção, o educando emerge como fonte de iniciativa (na mediada em que é dele que parte a ação), de liberdade (uma vez que na raiz de suas ações está uma decisão consciente) e de compromisso (manifesto em sua disposição de responder por seus atos”.
Em tais circunstâncias, o protagonismo significa uma nova forma de compreender, tratar e conceituar os diferentes aspectos dos movimentos sociais, em especial, seus atores, tomados agora como centrais nos processos históricos e não apenas como figurantes de cenas que se definiriam além deles, tornando-os apenas objeto das mecânicas do mundo. No caso específico dos adolescentes, estes começam, segundo Costa, “a ser vistos como solução, e não como problema”. Modificação radical, uma vez que ao invés de ser tomados como obstáculo a ser superado por ações externas e, muitas vezes, estranhas a eles, “através da participação ativa, construtiva e solidária, o(s) adolescente(s) (passam a) envolver-se na solução de problemas reais na escola, na comunidade e na sociedade”.[53]
Se o conceito de protagonismo abre perspectivas promissoras, demanda, contudo atenção em seu sentido e usos. Fazendo uma revisão de literatura sobre o “protagonismo juvenil na literatura especializada e na reforma do ensino médio”, Ferretti, Zibas e Tartuce[54] chamam a atenção para utilizações limitadoras do conceito, quando este é referido apenas a aspectos individualizantes do sujeito. Segundo os autores, tal uso vem sendo corrente, como aconteceu em textos oficiais, como o das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, emanadas pelo MEC, em 1998. Em decorrência, há que se “desbastar os sutis vieses ideológicos (...) de modo que a necessária promoção do protagonismo juvenil se afaste de um mero ativismo social- acrítico e apenas psicologicamente compensatório- ou da simples adaptação dos jovens às perversas condições da atual ordem socioeconômica”.[55]
Nesse aspecto, desbaste significa retomar o termo em seu sentido original, conferindo à ação protagônica sua devida dimensão histórica e social, inserindo e significando as ações dos atores particulares em relação não aos quadros individuais restritos, mas aos socioculturais amplos, tal como ocorria com os heróis do teatro na Grécia Antiga. Antígona, por exemplo, é protagonista de um drama familiar que não se esgota em tal dimensão restrita. Lutar bravamente para enterrar o irmão, um traidor da polis, não é simplesmente defender interesses de sua família, mas defender a cidade dos abusos do déspota. A ação de Antígona representa não um gesto pequeno, que se esgota na esfera da intimidade, do privado, mas a defesa da irredutibilidade do direito “natural” ao direito do Estado: independentemente das razões de Estado, em quaisquer circunstâncias, os mortos têm sempre direito à sepultura.
Seguindo-se tal linha de raciocínio, se as ações do protagonista apresentam uma dimensão singular e diferenciada, que lhes são próprias e pessoais, revelam também uma dimensão plural complementar, que afirmam a sua condição de pertencimento a um grupo, a uma cultura, a uma espécie. Desse modo, tais ações constituem-se, definem-se e ganham significado tão somente na dinâmica viva e constante existente entre as forças do particular e do geral, do individual e do coletivo.
Feitas tais considerações, no sentido de superação dos riscos do “hibridismo semântico” de que nos alerta Ferretti, é possível, portanto, retomar o conceito em questão em termos de protagonismo cultural , compreendendo-o como ação afirmativa nos processos simbólicos, exercida por sujeitos de diferentes meios e condições, consideradas as dimensões plurais e conflitantes da vida social e pública, no mundo contemporâneo. Desse modo, apropriar-se de informação e cultura é ato próprio de protagonistas, categoria que no âmbito da educação e da cultura distingue-se das de usuários e de consumidores culturais. Em suas relações com o conhecimento e a cultura, os protagonistas criam e se recriam, num movimento são, ao mesmo tempo, sujeito e objeto dos processos em que se acham inseridos.
c) Dispositivos
Inicialmente, utilizamos em nossos projetos a formulação Serviços de Informação em Educação para nomear os dispositivos que desejávamos estudar, em suas relações com os processos de apropriação simbólica. O desenvolvimento das pesquisas indicava, todavia, que tal nomeação era limitada e demandava outras construções mais elaboradas, compatíveis com as novas compreensões.
Nesse sentido, tanto o termo serviços[56], como o adjunto em educação colocavam problemas conceituais e operacionais que precisavam ser superados. A noção de serviço, por exemplo, remetia a uma dimensão instrumental, que deixava de lado os aspectos essenciais das instâncias de mediação cultural nos processos de significação. Além disso, apontava para direções histórico-culturais que iam em sentido contrário às preocupações de protagonismo que nos motivavam. Por sua vez, o complemento em educação[57], tal como aparecia na formulação, era um simples adjunto, indicando uma categoria espacial, um local onde os serviços se instalam, mas exteriores a eles. Ao chamar a atenção para a geografia, a expressão deixava de lado a história, ou seja, a trama de relações de todas as ordens que constituem e definem as instâncias de mediação cultural e que são tão importantes como as geográficas.
Se a formulação Serviços de Informação em Educação foi inicialmente útil, necessitava ser superada, pois fragmentava o objeto, não se constituindo em categoria epistemológica inscrita em ordem englobante e capaz de considerar os diferentes elementos que a constituíam. Na realidade, os sucessivos trabalhos iam-nos mostrando uma teia de categorias, de tal forma diversificadas e imbricadas entre si, que qualquer formulação que não desse conta da gramática e da pragmática das instâncias de mediação consideradas em seus aspectos morfológicos, sintáticos e semânticos dinâmicos e inter-relacionados, não correspondia nem aos pressupostos, nem aos objetos com os quais nos deparávamos no terreno. Se para finalidades operacionais era possível isolar questões de estudo específicas e pontuais, ligadas, por exemplo, mais diretamente a aspectos da configuração dos dispositivos ou das aprendizagens neles implicadas, por outro lado, não era possível compreendê-las fora da trama de relações de variadas ordens que os definem.
Para chamar a atenção para a importância de tais tramas nos processos culturais, já na década de 50, Escarpit[58], ao invés de falar em Literatura, preferirá falar em fatos literários. Com isso, não só supera uma espécie de fatalidade textual que marcará os estudos de literatura influenciados na época pelas imanências do estruturalismo, como abrirá novos atalhos para a compreensão dos fenômenos culturais. Para ele, Literatura é manifestação em duplo aspecto. De um lado, é processo, encontro pessoal e intransferível de um autor com seu leitor, por meio de um texto; de outro, é aparelho, construção de um tempo, de um lugar, de uma história cujas marcas materiais e imateriais definem indelevelmente os rumos do processo.
Por isso, ao tratar da leitura, o autor de A fome de ler [59] afirma que o leitor não está senão aparentemente sozinho durante tal ato. Ele não só se constitui a partir da voz que lhe dirige diretamente a palavra, como também das vozes do passado[60] que o acompanham irremissivelmente, isto é, de sua história, sua memória, sua cultura, além, evidentemente, daquelas que é capaz de projetar, antever, prenunciar com a intervenção de sua imaginação.
Em L´écrit et la communication [61], embora insista na distinção fundamental entre processo e aparelho, Escarpit chama também a atenção para o fato de que os processos de produção de sentidos implicados nas práticas de leitura decorrem de um jogo entre os significados dos textos, ato e gesto, definido o ato como o conjunto de atividades internas produzidas pelos leitores e o gesto como o conjunto de comportamentos socioculturais, mobilizados em torno de tais atividades. Desse modo, se a atividade cognitiva é alimentada pelo encontro dos textos com os raciocínios, afetos e emoções inscritas na subjetividade dos leitores, o pertencimento ou não a circuitos letrados, a existência ou não de textos e de contextos de leitura estimulantes, a possibilidade ou não de acesso a livrarias, bibliotecas, centros de documentação e informação, a natureza dos suportes, das linguagens fazem igualmente parte dos atos de significação.
Seguindo na mesma direção, Chartier lembra em um de seus trabalhos que “os textos não existem fora dos suportes materiais”[62]. Nesse sentido, os atos de significação implicariam, segundo o autor, uma ordem[63] constituída tanto por dimensões subjetivas, individuais e imateriais, como objetivas, sociais e materiais, numa tessitura em que uns atuam permanentemente sobre os outros, resultando o todo em processo complexo que integra e interliga os diferentes aspectos em redes de produção de sentidos que, devido à sua configuração e contínuo movimento, escapam a todo tipo de determinismo.
Decorre de tais posições uma inevitável preocupação com as mediações socioculturais que marcarão tanto a Sociologia da Literatura e da Leitura de Escarpit, como a História e a Crítica Cultural de Chartier e de Certeau , opções que, sem nenhuma dúvida, apesar de se situarem no campo dos estudos sociais, fazem eco à psicologia cultural de Bruner, fortemente enraizada, por sua vez, em postulados compartilhados com Vygotski. Atentos a aspectos relegados a plano secundário pela tradição idealista de estudo dos processos de significação, tais autores inscrevem as mediações culturais como categoria intrínseca de tais processos, rompendo com modelos cognitivos e semiológicos de natureza dual, conferindo à significação uma nova equação, de natureza triangular. Assim como informar e informar-se, mediar a informação não é, nessa compreensão, atividade passiva de transmissão de conteúdos, mas forma de atuação nos e com os sentidos. Quem conta um conto, aumenta um ponto! Se o meio não é a mensagem, um programa de tv não é um livro, nem o Jornal Nacional é O Globo ou a SBT, a Folha de São Paulo.
Para responder, portanto, a conhecimentos procedentes tanto da literatura pertinente quanto de experiências concretas de pesquisa no terreno, acabamos por identificar um caminho promissor no conceito de dispositivo, tal como apareceu formulado por alguns pesquisadores, reunidos no Colóquio Dispositif: entre usage et concept, realizado em 1998, em Louvain, Bélgica. As discussões travadas e posteriormente publicadas na revista Hermès[64], apontavam algumas direções extremamente férteis e convergentes com preocupações nossas de compreender as instâncias de mediação na perspectiva foucaultiana de “agenciamento de elementos diversos e complexos, tendo em vista uma finalidade”, e, ao mesmo tempo, de compreendê-las também como “ agenciamento” que produz ele próprio uma finalidade. Essa compreensão dinâmica de um objeto que é produzido e produz uma finalidade, que reflete e refrata ao mesmo tempo, não se referia, assim, apenas a uma dimensão sistêmica de uma instância tomada em seus aspectos morfológicos, sintáticos e semânticos complexos e inter-relacionados; referia-se, sobretudo a uma dimensão axiológica essencial, que situa os dispositivos numa posição não meramente funcional ou instrumental, mas sobretudo discursiva, ressaltando seu papel nos atos de significação, dada sua natureza de signo.
Em outras palavras, tal como definidos por vários participantes do Colóquio, os dispositivos não funcionam apenas; eles significam. Em função disso, são opacos[65], portadores de sentidos que não se entregam imediatamente, ao contrário do que pretendem muitas vezes visões reduzidas e redutoras. Numa época em que as problemáticas das mediações culturais e da midiatização[66] se embaralham cada vez mais, numa época em que as relações com o mundo passam por transformações extraordinárias e são relações cada vez mais mediadas por tecnologias de informação e comunicação complexas, operadas por organizações com atuação global, não se pode obliterar a questão tradicional da opacidade da informação, uma vez que ela se recoloca em novos termos, trazendo elementos não só para o presente e o futuro, como para nosso próprio modo de compreender o passado. Talvez, nunca como agora tenhamos tido tão clara a compreensão da História como construção. A tal ponto que alguns chegam inclusive a tomá-la simplesmente como sinônimo de ficção. Se tal exagero é difícil de se tornar aceitável, não é difícil todavia de ser compreendido como expressão de uma época em que a temática da representação retorna, muitas vezes sob perspectivas variadas, que remetem ao virtual, aos simulacros, dentre outra questões.
Em conclusão, a midiatização alterou nossa ecologia cognitiva, nossos canais de percepção e de relação com o mundo, e, em função disso, tornou-se, pois, necessário adotar conceitos capazes de traduzir questões de nosso tempo, permitindo-nos compreendê-las em dimensões que ferramentas historicamente localizadas no passado não viabilizam. Sendo assim, o conceito de dispositivo passou a incorporar-se às pesquisas em andamento, permitindo definir em novos termos questões básicas de nossa pauta de trabalho.
d) Mediação cultural
O conceito de mediação cultural é correlato ao de dispositivo. Na realidade, ao falarmos deste, na época contemporânea, estamos nos referindo sobretudo a instâncias de midiatização, conforme as distinções de Peraya, referidas antes. Considerado nesse sentido, o conceito de mediação cultural é central em nossos trabalhos, referindo-se a um conjunto de elementos de diferentes ordens (material, relacional, semiológica) que se interpõem e atuam nos processos de significação.
Segundo Lalande[67], mediação é a “ação de servir de intermediário entre dois termos ou dois seres (considerados como dados independentemente desta ação)”. Ao mesmo tempo ainda, segundo o autor, “mediação é a própria coisa que exerce ou que constitui uma mediação” e ainda, “o espaço e o tempo como mediações entre a liberdade e o mundo” (p.656). Segundo Méier; Garcia[68], o termo mediação, ao entrar para um dicionário de língua portuguesa pela primeira vez, em 1670, foi definido como “o ato ou efeito de mediar, ato de servir de intermediário entre pessoas, grupos, partidos, a fim de dirimir divergências ou disputa. No entanto, o termo foi-se ampliando e ganhando diferentes sentidos” (p.37). Assim, para a Filosofia, mediação é um processo criativo, mediante o qual se passa de um termo inicial a um termo final, enquanto que, para a Psicologia, mediação é uma seqüência de elos intermediários (estímulos e respostas) numa cadeia de ações, entre estímulo inicial e a resposta verbal no final do circuito ( p.37). Por outro lado, afirmam os autores, o termo aparece também na Astronomia, na Religião, no Direito, mas sempre no sentido de colocar em relação, aproximar, criar pontes entre elementos.
Se mediar é intermediar, é também ação de aproximar seres considerados como dados independentemente desta ação. Tal consideração implica dizer que a natureza, o modo de ser e de funcionar de tais seres não só estão presentes, como atuam efetivamente nos processos de mediação; da mesma forma, atuam a natureza, o modo de ser e de funcionar dos elementos mediadores. Diferentemente, portanto, de compreensões meramente instrumentais ou funcionais, tomamos em nossos trabalhos a mediação cultural como categoria intrínseca aos processos de significação, portanto, essencial, condição que leva a considerar os elementos que constituem seus processos não simplesmente como ferramentas, mas como signos, portadores de sentidos, agregados à economia das significações. A mediação cultural, tal como se apresenta nas pesquisas em curso, é, pois, ação de produção de sentidos e não mera intermediação ou transmissão anódina de signos.
Nesse sentido, os dispositivos informacionais são dispositivos de mediação e estão carregados de conceitos e significados. Necessitam, portanto, ser considerados além de suas dimensões funcionais. São processos simbólicos, discursos. Contam. Narram.
d) Estação do Conhecimento
O conceito de dispositivo como se viu, refere-se a um agenciamento de elementos tendo em vista uma finalidade. Nesse sentido, atenta não só para aspectos da gramática dos artefatos, como para sua finalidade, demandando, nesse aspecto, um qualificador. Por isso, alguns falam em dispositivos técnico-semióticos[69]; outros em dispositivos de comunicação e de formação midiatizadas[70], dentre várias qualificações necessárias à especificação do conceito.
Seguindo tal direção, foi possível distinguirmos conceitualmente, portanto, Dispositivos de Apropriação Cultural (DACs), dos Dispositivos de Conservação Cultural e dos Dispositivos de Difusão Cultural. Como do ponto de vista pragmático, seus elementos constitutivos e procedimentais não são necessariamente distintos em todos os seus aspectos (em qualquer tipo de biblioteca haverá, por exemplo, livros), a diferenciação decisiva entre os termos se encontra na configuração e nas práticas envolvendo os referidos elementos constitutivos, tendo em vista a finalidade diferenciada do dispositivo. Ser constituído e organizado para conservar, é diferente de ser constituído e organizado para difundir, que, por sua vez, é diferente de ser constituído e organizado para ser apropriado. Ainda que, por exemplo, todos possam em alguma medida preocupar-se em preservar os materiais informacionais, só nos dispositivos de conservação tal atitude é finalidade última, não nos de difusão ou de apropriação.
A partir de tais distinções, foi possível, pois, formular também uma categoria genérica que incluísse os vários tipos de DACs: as Estações Culturais. Estas se caracterizariam, assim, como agenciamento de elementos concretos e abstratos, pautados por critérios gerais de ordenação que visam processos de apropriação simbólica e de protagonismo cultural. Por outro lado, as distinções permitiram-nos elaborar também um termo específico para os dispositivos que vínhamos desenvolvendo, não exclusivamente, mas sobretudo em situações escolares, e cuja finalidade específica são as aprendizagens informacionais, indispensáveis aos processos de apropriação simbólica: as Estações do Conhecimento.
Se compartilham com as demais Estações Culturais objetivos gerais de apropriação simbólica e de protagonismo cultural, as Estações do Conhecimento têm, como se disse, objetivos específicos de desenvolvimento de aprendizagens informacionais, em programas orgânicos, realizados de forma sistemática e permanente. Dados quadros histórico-culturais vigentes em nossa sociedade, tais Estações do Conhecimento apresentam uma tendência quase natural de se situarem em ambientes de educação formal, como os escolares. No entanto, podem se desenvolver em ambientes não-formais e não propriamente educacionais, como mostrou um de nossos projetos, ao instalar várias delas em canteiros de obras da construção civil[71]. Na realidade, a finalidade de tais dispositivos é infoeducar, uma vez que, no mundo contemporâneo, todos nós necessitamos estar permanentemente aprendendo a nos informar, seja nas escolas, nos ambientes de trabalho ou domésticos, nas bibliotecas ou outras instituições culturais e estas precisam, por sua vez, refazerem-se em função de tais demandas.
Dadas suas características, as Estações do Conhecimento objetivam aprendizagens informacionais de um modo sistemático, realizam em caráter contínuo e permanente, projetos e programas de Infoeducação. Desse modo, diferentemente de outras Estações Culturais, elas não disponibilizam apenas informações tendo em vista sua apropriação, não oferecem apenas o peixe, mas, ao oferecê-lo, ensinam sistematica e continuamente a pescar nos oceanos da informação. São, nesse sentido, metadispositivos.
Infoeducação : área de estudos, área de atuação
Como já colocamos, anteriormente, apesar de herdeiros irrecorríveis da modernidade, não se sustenta em nossa época o entendimento segundo o qual basta distribuir cultura para que sua apropriação se dê. Tal perspectiva reduz a apropriação simbólica à apropriação material, desconsiderando a especificidade e especialidade dos bens culturais. A distribuição gratuita de livros às escolas, pelo Estado brasileiro, nas últimas décadas, é um exemplo bem acabado dessa direção. Milhões de livros são doados anualmente, segundo premissas de um distributivismo assistencialista, cujos resultados já tornaram o processo um escândalo público, questionado no interior do próprio Estado[72]. Desconsiderando as mediações educativas e culturais que se fazem necessárias para que os processos de apropriação simbólica se efetivem, o Estado brasileiro há vários anos vem desenvolvendo uma política de acesso físico a materiais bibliográficos, mas não uma política efetiva de educação e cultura. Não é casual, assim, o fantástico e irresponsável desperdício de recursos, de esforços e esperanças incrustados nesse filantropismo travestido de política educacional e cultural e que, para ser superado, necessita obrigatoriamente da constituição de uma indispensável trama de dispositivos e metadispositivos, concebidos tais como as Estações Culturais e as Estações do Conhecimento.
Se a apropriação simbólica demanda dispositivos específicos e ações orgânicas, sistemáticas e permanentes, voltadas às aprendizagens informacionais, tais ações não podem ser confundidas, em hipótese nenhuma, com didatismo ou formalismo explícitos. A Infoeducação não é ação vazia, centrada em procedimentos e modos de atuação desvinculados dos significados que se pretende construir. Não se trata, nesse sentido, por exemplo, de realizar nas Estações do Conhecimento escolares, programas de desenvolvimento de atitudes, competências e habilidades informacionais, desconectadas de conteúdos, programas e projetos disciplinares, interdisciplinares ou de outra ordem, lançados pelas próprias Estações. Desvincular as aprendizagens informacionais de conteúdos significativos seria um erro epistemológico grosseiro e, sem nenhuma dúvida, ao cabo de algum tempo, golpe na motivação dos aprendizes. Em tais condições, a busca da informação[73] implica ações de produção de sentidos, como forma de desenvolvimento de aprendizagens informacionais . Ela não é mero jogo formal ou técnico, não é realização mecânica de etapas que se sucedem umas às outras, de modo linear. Ao contrário, é ato cognitivo complexo, envolvendo escolhas, seleções, idas e vindas, que incluem, mas que estão muito além das skills e das questões procedimentais.
Novos saberes, novos fazeres entraram em cena na cultura de nosso tempo e demandam, pois, novos paradigmas e modos de atuar. Aprender a informar-se é, em decorrência, ação e reflexão sobre os aspectos imateriais e materiais da informação, é ação sobre os significados e os significantes, os saberes e seus dispositivos. Na realidade, aprender em tais circunstâncias contempla obrigatoriamente aprender a aprender, apropriação dos conteúdos culturais, bem como das matérias e processos que os viabilizam, eles próprios signos, discursos[74].
Nesses termos, existem diferenças de fundo e forma entre a Infoeducação e muitas das formulações que sustentam a Educação de Usuários, a Educação para a Informação e, especialmente, a Information Literacy. Em primeiro lugar, a Infoeducação não secciona Informação e Educação. Para ela, os fenômenos informacionais e educacionais não se separam, apesar de apresentarem autonomia e identidades próprias. Os dispositivos e as aprendizagens informacionais são, portanto, partes de um todo articulado que está na base dos processos de significação. De outro lado, seus objetivos situam-se além da funcionalidade, do savoir-faire informacional. Não se trata apenas, portanto, do desenvolvimento de habilidades ou, então, de competências informacionais[75] ; ainda que as considere, a Infoeducação coloca-as num quadro amplo de interrogações que remete tanto ao questionamento dos conteúdos informacionais, como da própria Informação e seus dispositivos, em suas múltiplas interações e ângulos.
As interrogações da Infoeducação dirigem-se, assim, não apenas aos modos de fazer, aos procedimentos implicados nos processos de apropriação simbólica; dirigem-se, sobretudo, às dinâmicas implicadas na construção das significações, aos sentidos da ordem cultural. Nesse aspecto, coloca os sujeitos em situação de protagonistas, de analistas conscientes das artimanhas do conhecimento, lançando-os, nas dimensões superiores do metaconhecimento. Não se trata somente de saber operar. Trata-se principalmente de saber operar reflexivamente, de enfrentar desafios que exigem domínio dos modos de proceder, mas sobretudo de suas razões de ser, como condição de sobrevivência do pensamento nos mares caóticos e revoltos da informação na contemporaneidade.
INFOEDUCADOR: fazeres da contemporaneidade
Se as exigências da apropriação implicam novas reflexões, novas áreas de estudos, implicam também novos fazeres, novos mediadores culturais, tal como no passado as finalidades de conservação e de difusão cultural geraram profissionais da informação, como bibliotecários, professores, jornalistas, redatores, editores, operadores de rádio, telégrafo e tantos outros, ligados a demandas culturais próprias do período histórico em que emergiram.
Nesse aspecto, nossa época vê surgir também novos profissionais, especializados em tarefas que até então não se apresentavam de modo explícito e orgânico na vida social. Dentre eles, no quadro das nossas colocações, entra em cena um profissional até então desconhecido: o infoeducador. A nova categoria, situada na interface dos profissionais da Informação e da Educação, entre, portanto, bibliotecários, documentalistas, professores e educadores em geral, não é o produto da soma simples destas categorias tradicionais, nem pedaços desconectados de cada uma delas. É, antes, um profissional de síntese, resultante de novos tempos histórico-culturais, dos novos modos de ser, de compreender, de se relacionar e atuar com o conhecimento e a cultura.
Nesse sentido, o infoeducador é um profissional que tem domínio da lógica e do funcionamento das Estações do Conhecimento e das Estações Culturais em especial, das Redes de Dispositivos Culturais em geral, para atuar como mediador de processos de aprendizagem informacional indispensáveis à apropriação simbólica e ao protagonismo cultural em nossa época. Seu conhecimento especializado não se destina à produção material dos dispositivos, já que isso extrapola suas competências e possibilidades, demandando profissionais de diferentes áreas, como bibliotecários, documentalistas, arquitetos, técnicos de informática, professores, dentre vários outros. Ele é, portanto e fundamentalmente, um gestor de recursos e de processos de mediação cultural, compreendidos de formas distintas das do passado, quando estavam em causa, especialmente, processos de conservação e difusão, mas dificilmente de educação para a apropriação cultural.
O infoeducador é, pois, um profissional de conexão. Suas ações articulam diferentes profissionais, tendo em vista a realização de projetos e programas de trabalho específicos, próprios à sua área de atuação. Na escola, por exemplo, ele articula tanto seu trabalho com os programas didático-pedagógicos das disciplinas, como desencadeia atividades que os extrapolam e enriquecem, tendo em vista objetivos específicos da Infoeducação.
Por outro lado, suas ações apresentam sempre vertentes de diferentes naturezas, voltadas à construção articulada, orgânica e sistemática de atitudes, competências e habilidades informacionais. Desse modo, o Infoeducador é profissional que trabalha tanto aprendizagens que remetem ao valor e à importância dos diferentes materiais informacionais (livros, jornais, revistas, CDs, DVDs, dentre outros), das diferentes instituições culturais (bibliotecas, centros de documentação e informação, centros culturais, livrarias, museus, casas de cultura e outros), das diferentes práticas culturais (ler, escutar histórias, ouvir CDs, assistir à TV, vídeos, comunicar-se via Internet), como aprendizagens ligadas a conceitos e modos de funcionamento dos diferentes dispositivos e redes culturais que caracterizam o mundo contemporâneo.
Infoeducação: definição
Considerando o que foi dito ao longo deste trabalho, talvez seja possível concluir com uma primeira definição de Infoeducação, mesmo se provisória. Desafio a ser enfrentado por novos trabalhos que se sucederão certamente a este e que , paulatina e permanentemente, deverão dar solidez e consistência à nova área de investigações, tal definição poderá ser útil no desenvolvimento de um campo que vem se mostrando essencial e indispensável em nossa época.
Desse modo, podemos definir preliminarmente Infoeducação como área de estudo, situada nos desvãos das Ciências da Informação e da Educação, voltada à compreensão das conexões existentes entre apropriação simbólica e dispositivos culturais, como condição à sistematização de referências teóricas e metodológicas necessárias ao desenvolvimento dinâmico e articulado de aprendizagens e de dispositivos informacionais, compatíveis com demandas crescentes de protagonismo cultural, bem como de produção científica, constituída sob novas óticas, nas chamadas Sociedades do Conhecimento.
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[1]O termo foi cunhado pelo autor do artigo para nomear o 1º Colóquio Brasil-França de Infoeducação, realizado na ECA/USP, em 2000.
[2] Cf. CHAMPY, P. ; ÉTEVÉ, C. Dictionnaire encyclopédique de l´éducation et de la formation. 3.ed. Paris: Retz, 2005. p. 491
[3] O grupo criado e coordenado até os dias atuais pelo Prof. Dr. Edmir Perrotti, na ECA/USP, foi inicialmente por ele constituído com alunos de curso de especialização do Depto. de Biblioteconomia e Documentação, da ECA/USP, somados a profissionais especialistas em diferentes áreas do conhecimento. O desenvolvimento das pesquisas levou seu coordenador a propor a criação do PROESI- Programa Serviços de Informação em Educação, iniciativa que possibilitou integrar às pesquisas em andamento outros professores do Departamento, como a Profa. Dra. Regina Keiko Obata e o Prof. Dr. Waldomiro Vergueiro, além de professores e alunos de graduação e de pós-graduação de outras unidades da USP e de fora da USP, como respectivamente a Profa. Dra. Cibele Taralli, da FAU/USP, e o Prof. Dr. Élie Bajard, do Ministério de Educação Nacional, da França. Ao mesmo tempo, a iniciativa permitiu intenso intercâmbio com instituições e pesquisadores estrangeiros, sobretudo franceses, liderados por Max Butlen, em missão cultural na Embaixada da França no Brasil (Projeto Pró-Leitura). As evoluções dos trabalhos produziram um terceiro momento do grupo que, a partir do ano de 2000, passou a ser constituído por seu coordenador, Prof. Dr. Edmir Perrotti, pela Profa. Dra. Cibele Taralli, pelas então doutorandas Ivete Pieruccini (atualmente professora da ECA/USP) e Linice da Silva Jorge, além das especialistas Antonia de Sousa Verdini e Maiah Pinsard Vianna, bem como de alunos de pós e de graduação. Em 2006, face aos avanços fundamentais decorrentes do momento anterior , uma nova etapa tem início, com algumas alterações em relação à formação da fase anterior. Nesse momento, o PROESI transforma-se em Núcleo de Infoeducação e a organização do grupo se altera, em função do término de formação em pós-graduação, de razões profissionais ou pessoais. Apesar, portanto, das inevitáveis idas e vindas naturais que ao longo do tempo foram acontecendo, o grupo de pesquisas criado em 1989, continua com um núcleo central estável, percorrendo os caminhos longos e difíceis, mas necessários à afirmação e desenvolvimento de uma nova área de estudos, definida e em desenvolvimento na ECA/USP, graças ao esforço coletivo de inúmeros parceiros, interessados em questões e abordagens pioneiras das relações entre Informação e Educação no campo científico e cultural, em geral.
[4] BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
[5] Cf. LE GOFF, J. Memória. In: GIL, F., org. Memória – história. Porto: Imprensa Nacional : Casa da Moeda, 1984. p.11-50. (Enciclopédia Einaudi, 1)
[6] VIRILIO, P. Estratégia da decepção. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
[7] LEVY,P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.
[8] Cf. MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
[9] Passim ARENDT, H.Condition de l´homme moderne. Paris: Agora-Plon, 1983.
[10]Cf. SANTOS. M. Elogio da lentidão. In: ______. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, 1999. p.36-7; 152-3.
[11] Cf. BURKE, P. Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
[12] São exemplos desta categoria os programas BIG 6, de EISENBERG, M. e BERKOWITZ, B., Disponível em:
[13] Cf. ALAVA, S.; ETEVE, C. Médiations documentaires et éducation. Révue française de pédagogie, Paris, n.127 : 119-165, 1999.
[14] Cf. BOURDIEU, P. O campo científico. In: ORTIZ, R. (Org.). Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo: Ed. Ática, 1983. p.122-55
[15] O termo protagonismo cultural, utilizado neste artigo, é elaboração nossa, destinada a nomear o fenômeno de participação ativa e afirmativa na vida cultural, na condição de produtor e criador de significados e sentidos, seja individualmente ou enquanto membro de um grupo ou uma coletividade.
[16] Apropriação simbólica contempla aqui apropriação de informações, de conhecimento e cultura. Sobre o conceito de apropriação, v. adiante p. 16-8
[17] Cf. PERROTTI, E. O texto sedutor na literatura infantil. São Paulo: Ícone, 1986 e PERROTTI, E. Confinamento cultural, infância e leitura. São Paulo : Summus, 1991.
[18] Cf. ESCARPIT, R. Sociologie de la littérature. Paris: PUF, 1992.
[19] Cf. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981
[20] Cf. BRUNER, J. Atos de significação. Porto Alegre: Artmed, 1997
[21] Trata-se do projeto Memórias do Baixo-Pinheiros, memórias de vida, memórias da cidade. Ação cultural com crianças e jovens.
[22] Cf. BENJAMIN, W. Experiência e pobreza. In: _________.Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1993. p. 114-119.
[23] Cf. FARIA, I. P. Estação Memória: lembrar como projeto. Contribuições ao estudo da mediação cultural. 1999. 177f. Dissertação (Mestrado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.
[24] VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
[25] Entenda-se bibliotecas, centros e núcleos de documentação, de informação, de memória, dentre outros.
[26] FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1984.
[27] DELEUZE, G. Qu´est que c´est un dispositif? In :_______. Michel Foucault philosophe. Paris: Le Seuil, 1989.
[28] Era da Informação, Sociedade da Informação; Sociedade do Conhecimento; Cibercultura
[29] ECO, U. O nome da rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.
[30] No Brasil, as lutas aparecem como objeto em: FRIERO, E. O diabo na biblioteca do cônego: como era Gonzaga? Belo Horizonte: Itatiaia, 1981.
[31] Cf. LE MOIGNE, J-L. Les épistémologies constructivistes. Paris: PUF, 1995. p.70-78.
[32] Cf. BARBIER, J.-M., dir. Savoirs théoriques et savoirs d'action. Paris: PUF, 1994.
[33] Cf. MEDINA, C.; GRECO, M. orgs. Saber plural: o discurso fragmentalista da ciência e a crise dos paradigmas. São Paulo: ECA/USP: CNPq, 1994. (Novo pacto da ciência, 3)
[34] SANTOS, B. de S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.
[35] Cf. GOZZI, R. M. Oficina de Informação: conhecimento e cultura na educação infantil. 230f. 2005. Dissertação (Mestrado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.
[36]Cf. FARIA, op. cit.
[37]Cf. OBATA, R. K. Biblioteca interativa: concepção e construção de um serviço de informação em ambiente escolar. 1998. 127f. Tese (Doutorado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo e SANTOS, V. M. Mediação documentária em ambientes educativos do terceiro setor. 2004. 2v. Dissertação (Mestrado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.
[38] Cf. BAJARD, E. Caminhos da aprendizagem. São Paulo: Cortez, 2002.
[39] O conceito de rede aqui refere-se a ações cooperativas e compartilhadas e não simplesmente a conexões técnicas.
[40] Cf. MARTIN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1997.
[41] Cf. BOURDIEU, 1983.
[42] Projetos realizados com um Centro Educacional, localizado em São Bernardo do Campo, com a Prefeitura de Diadema, na Grande São Paulo, a Casa Matheus, organização educativa do Terceiro Setor, situada em Mauá, também na Grande São Paulo, assim como com a Prefeitura de Jaguariúna, no interior do Estado de São Paulo.
[43] SERFATY –GARZON, P. Dictionnaire critique de l´habitation et du logement. Paris: Armand Colin, 2003. p.27-30
[44] Id. Ibid., p.27 et seq.
[45] GINSBURG, C. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo : Cia. das Letras, 1987
[46] LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 94
[47] CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Rio de Janeiro: Vozes, 1994.
[48] Escarpit diz que a leitura implica necessariamente um quero ( veux).
[49] CHARTIER, R. A aventura do livro: do leitor ao navegador conversações com Jean Lebrun. São Paulo: Imprensa Oficial/Editora UNESP, 1999a. p.77
[50] CHARTIER, R. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa, entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1999b.
[51] CHARTIER, 1999a, p.77
[52] COSTA, A.C.G.da. O adolescente como protagonista. Disponível em: <http://www.adolec.br/bvs/adolec/P/cadernos/capitulo/cap07/cap07.htm> Acesso em: 17 abr. 2007
[53] COSTA, 17 abr. 2007.
[54] FERRETTI, C.J.; ZIBAS, D.M.L.; TARTUCE, G.L.B.P. Protagonismo juvenil na literatura especializada e na reforma do ensino médio. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v.34, n.122, p. 411-23, maio/ago. 2004
[55] Id., ibid, p.422
[56] GADREY, J.; ZARIFIAN, P. L'émergence d'un modèle du service: enjeux et realités Paris: Ed. Liaisons, 2002.
[57] Sobre o termo, cf. BOURGUET, M. N. et al. Repenser la construction des savoirs: le terrain. Projet de recherche.
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[58] ESCARPIT, R. Sociologie de la littérature. Paris: PUF, 1958.
[59] BARKER, R.; ESCARPIT, R. A fome de ler. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas / Instituto Nacional do Livro, 1975.
[60] THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
[61] ESCARPIT, R. L´écrit et la communication. Paris: PUF, 1973.
[62] CHARTIER,R. Os desafios da escrita. São Paulo: Editora UNESP, 2002. p.61
[63] CHARTIER, 1999b.
[64] HERMÈS: cognition, communication, politique. Le dispositif: entre usage et concept. Paris: CNRS Editions, n.25, 1999.
[65] Ver, especialmente, o artigo de CHARTIER, A-M. Un dispositif sans auteur: cahiers et classeurs à l´école primaire. HERMÈS: cognition, communication, politique. Paris, n.25, p.207-218, 1999.
[66] Cf. PERAYA, D. Médiation et médiatisation : le campus virtuel. HERMÈS: cognition, communication, politique. Paris, n.25, p.153-168, 1999.
[67] LALANDE, 1996, p. 656.
[68] MEIER, M.; GARCIA, S. Mediação da aprendizagem: contribuições de Feuerstein e de Vygotsky. Curitiba: Edição do Autor, 2007.
[69] VERHAEGEN, P. Les dispositifs techno-sémiotiques: signes ou objets ? HERMÈS: cognition, communication, politique. Paris, n.25, p.111-121, 1999.
[70] PERAYA, 1999.
[71] Trata-se do projeto Biblioteca do Trabalhador, instalado em canteiros de obras, em parceria da Universidade de São Paulo com uma empresa de construção civil e a Secretaria Municipal de Cultura, de São Paulo, desenvolvido nos anos de 2001-2003.
[72] Cf. BRASIL. Tribunal de Contas da União. Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas do Governo SERPROG. Avaliação do Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE. Brasília : 2002. Disponível em:
[73] PIERUCCINI, I. A ordem informacional dialógica: estudo sobre a busca de informação em Educação.
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[74] BUTLEN, M.; COUET, M.; DESAILLY, L. Savoir lire avec les BCD. Paris: CRDP de l´Académie de Créteil, 1996.
[75] Sobre o conceito de competência, ver especialmente, PERRENOUD, Ph. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999; PERRENOUD, Ph., org. As competências para ensinar no século XXI. Porto Alegre: Artmed, 2002.
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