terça-feira, 24 de junho de 2008

Internet emburrece?_Gilberto Dimenstein

Texto de Gilberto Dimenstein, retirado do site http://aprendiz. uol.com.br/ content/nemijeue ue.mmp

Internet emburrece?

Imagine 687 mil universitários ou recém-formados disputando 2.500 vagas de estágio e de programas de trainee. No caso das grandes empresas 3.000 candidatos disputam uma única vaga. Só para dar uma medida de comparação: é uma proporção 25 vezes maior do que a dos vestibulares das mais disputadas faculdades brasileiras.
O que você acha que ocorreu com tanta gente disputando tão poucos empregos? Pergunte a algumas das 57 empresas, entre as quais a Microsoft, a Natura, a Unilever, a Braskem e o ABN-Amro, que participaram da seleção. Não ocorreu o óbvio.
Responsável pela aplicação dos testes em 2007, a psicóloga Sofia Esteves constatou que algumas das empresas não preencheram vagas ou tiveram de se contentar com a repescagem, obrigadas a diminuir o nível de exigência. "Há uma distância crescente entre o perfil desejado pelas empresas e a qualidade dos universitários", afirma.
Além das óbvias questões educacionais, relembradas na semana passada, com a divulgação de um índice de qualidade do ensino (Ideb), a psicóloga levanta mais uma hipótese: excesso de internet. Seria essa mais uma das retrógradas reações típicas de quem tem fobia tecnológica?
Sofia conta que alguns exames foram abrandados ou até eliminados. Numa prova de língua portuguesa, apenas um entre 1.800 candidatos foi aprovado. Decidiu-se então abolir esse requisito -o candidato passou a ser eliminado apenas quando comete, na redação, um erro do tipo escrever experiência com "ç".
Na seleção, porém, a dificuldade tem sido menos a de escrever segundo as normas gramaticais (o que já é grave) do que a de expor criativamente uma idéia - um critério relevante porque as empresas querem funcionários capazes de enfrentar desafios com autonomia. E aí, na visão da psicóloga, entraria a ação nociva da internet.
É verdade que as redes digitais facilitaram, como nunca, o acesso a qualquer tipo de informação, mas também é fato que facilitaram a apropriação de reflexões dos outros. É sabido que muitos alunos, na hora de fazer as lições, montam uma colagem de textos encontrados na internet. "Estão perdendo o hábito de ler um livro inteiro e fazer um resumo."Pula-se velozmente de galho em galho digital, numa interatividade hiperativa. A hipótese é que, por isso, sairia prejudicada a busca de profundidade.
A combinação de excesso de informação com hiperatividade foi um dos fatores que motivaram Mark Bauerlein, professor da Universidade Emory, em Atlanta (EUA), a escrever um livro intitulado "A Mais Burra das Gerações: Como a Era Digital Está Emburrecendo os Jovens Americanos e Ameaçando Nosso Futuro". Burrice seria, na sua visão, 52% dos adolescentes americanos terem respondido em uma prova que a Alemanha foi aliada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.
Sua tese central é a de que as tecnologias digitais permitiram que os jovens passassem ainda mais horas do dia trocando informações com seus pares, mas, ao mesmo tempo, diminuiu o tempo de intermediação dos adultos nos processos de aprendizado.
Diante daquela avalanche de dados em tempo real, ficaria então mais difícil para os jovens aprender a selecionar e expor o que é relevante no conhecimento tudo isso acaba prejudicando a liderança e a capacidade de trabalhar em grupo.
A avalanche digital não teria maiores problemas se o jovem não fosse obrigado a buscar um emprego que exigisse criatividade e autonomia para solucionar desafios o que requer necessariamente a capacidade de síntese e a habilidade de selecionar uma informação relevante. Justamente uma das razões, entre várias, para que aqueles 687 mil universitários brasileiros não conseguissem preencher 2.500 vagas.

PS- Como trabalho simultaneamente com comunicação e educação, tenho observado que, embora adore a abundância de informação, reverencie a possibilidade de escolhas e aprecie ainda mais a possibilidade de interagir, coisas que vieram mesmo para ficar (e é bom que fiquem), o jovem se sente confuso e demanda cada vez mais a intermediação de gente em quem possa confiar para ajudar na seleção das informações.
Ele vê com desconfiança os meios de comunicação tradicionais como a escola, por suspeitar que eles não conseguem traduzir o que é relevante para sua vida. Por esse ângulo, nós é que somos emburrecidos. Tanto a escola como o jornal do futuro vão estar assentados na solução desse desafio ou vão ficar estacionados no passado.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

A gente so leva da vida, a vida que a gente leva! Devagar se vai ao longe

Pelos quatro cantos do planeta, movimentos que pregam a desaceleração da vida moderna apontam alternativas para quem quer trabalhar, comer, criar e viver a vida sem pressa alguma

Trabalho demais, agenda cheia, internet, iPod, celular e carros que chegam a mais de 200 km/h transformaram o homem moderno numa espécie de Coelho Branco de "Alice no País das Maravilhas". Sempre apressado, eternamente atrasado. E doente. Literalmente. A velocidade, símbolo do desenvolvimento tecnológico e de um modo de produção e consumo cada vez mais vorazes, criou um sentimento de urgência que poucos conseguem administrar. Se é que conseguem mesmo. O resultado é um novo mal que é a cara do nosso tempo: a doença da correria (hurry disease), uma espécie de superestresse que foi descrito pelo médico americano Larry Dossey como uma resposta ao fato do nosso relógio interno ter virado o relógio de pulso e o despertador.
Mas há quem pense diferente. E reaja a esse excesso. Em todo o mundo, grupos mais ou menos organizados vêm criando maneiras de diminuir o ritmo, de abrir mais espaço para o lazer e a família.
Filosofia do devagarIniciativas que privilegiam o bem-estar, a simplicidade, a tradição local, o resgate da história e a hospitalidade começam a pipocar pelo globo. "Esse é o começo de uma revolução cultural, uma mudança radical na forma como vemos o tempo e como lidamos com a velocidade e a lentidão. Significa colocar qualidade antes de quantidade. É uma espécie de 'filosofia do devagar', onde se percebe que nem sempre a rapidez é a melhor maneira de fazer as coisas", disse a Galileu Carl Honoré, autor do livro "Devagar", recentemente lançado no Brasil.
Um dos centros dessa nova forma de pensar é a Sociedade para a Desaceleração do Tempo, fundada há 15 anos na Alemanha e que reúne cerca de mil integrantes - de filósofos a advogados e músicos - para discutir e estudar a relação do homem com o tempo. "A principal fonte da aceleração é o domínio de um sistema econômico que 'sugere' às pessoas a chance de preencher suas vidas com ajuda da tecnologia. Desacelerar parece dar a muita gente a sensação de estar perdendo o pouco tempo que lhes resta. Já a rapidez nos dá a sensação de controle e poder. Nosso grupo é uma forma de estimular a reflexão coletiva sobre o fenômeno moderno da aceleração, e a própria reflexão é uma forma de desacelerar", diz Michaela Schmoczer, professora da Universidade de Klagenfurt, na Áustria, e membro da Sociedade. Ela prossegue: "Além da atividade intelectual, tentamos intervir na comunidade de forma bem humorada. Vendemos cartões de crédito do tempo, relógios que só têm o ponteiro das horas, moedas de 'uma hora'. Se você separar um tempo de sua vida para refletir, terá uma vida mais rica e será capaz de acelerar e desacelerar de forma mais consciente".
Ao que parece, o Homo velox anda pensando seriamente em voltar a ser Homo sapiens.

Simplicidade voluntária, felicidade garantida

A Austrália é o maior exemplo de que é possível trocar o excesso pela simplicidade. Nos últimos 12 anos, 23% dos adultos entre 30 e 59 anos, perto de 2 milhões de pessoas, decidiram ganhar e consumir menos e optaram por um estilo de vida simples e com mais qualidade. O downshifting ou "simplicidade voluntária" vem crescendo em todo o mundo e já conquistou até mesmo ingleses e americanos, workaholics por excelência. "No Reino Unido as pessoas são cada vez mais pressionadas a fazer parte de uma sociedade materialista e superconsumista. Antes que percebam, já estão gastando o que têm e o que não têm", diz Tracey Smith, fundadora da Semana Australiana do Downshifting. Para outra ativista do país, Mitra Ardon, da organização Downshifting Downunder, o ponto central dessa nova forma de viver é mudar a relação com o dinheiro. "O objetivo é deixar de ser dominado por ele e buscar qualidade de vida, seja o que isso signifique para você."
Nos Estados Unidos, Cecile Andrews, diretora do projeto Círculos da Simplicidade, vem procurando uma forma de mudar o que ela chama de "crença" do americano no dinheiro, em outras palavras, o sentimento de que ele nunca tem o suficiente. "Nosso grupo reúne pessoas que tentam ajudar os outros a prestarem atenção em suas vidas e se perguntarem se há um jeito mais satisfatório de viver", diz Cecile.
Segundo a australiana Tracey Smith, não é preciso sequer sair de casa para viver de forma simples. O estilo de vida pode ser experimentado mesmo entre quatro paredes. "O downshifting não é uma ciência exata, mas pode oferecer uma utopia imediata. Nem todo mundo consegue viver com ganhos limitados. O importante é analisar se não há excesso de gastos em sua vida. Se você chega à raiz do problema e percebe os benefícios claros de desacelerar, você tem mais chance de ter sucesso e ser feliz", conclui Tracey.

Os Noés do sabor e as cidades em câmera lenta
Tudo começou como um movimento contra a invasão da fast-food na Itália, em 86. Liderados pelo jornalista Carlo Petrini, que temia que a força das grandes corporações ameaçasse a cultura tradicional, a "resistência" se armou de rolos de macarrão e fundou o movimento slow food (comida lenta). Nos primeiros 12 meses de existência, tinha apenas 500 membros. Hoje são 83 mil, espalhados ao redor do mundo, inclusive o Brasil.
O movimento não só cresceu como amadureceu e expandiu suas áreas de atuação. Hoje os esforços estão concentrados na "Arca do Gosto", um projeto patrocinado pela Fundação Slow Food para a Defesa da Biodiversidade e que tem como objetivo salvar espécies que corriam o risco de desaparecer, muitas delas ligadas a receitas tradicionais. "No Brasil, a Arca protege quatro espécies: o guaraná, plantado pela tribo Sateré-Mawé da Amazônia, o palmito jussara, da Mata Atlântica, o umbu, do semi-árido, e o feijão canapu, que cresce no Maranhão e Piauí", conta Margarida Nogueira, que introduziu o movimento no Brasil.
Salve a manga-rosaSegundo ela, o slow food hoje foca um tripé, formado por pesquisadores, produtores e consumidores - entre os últimos, o chefe de cozinha e o consumidor propriamente dito. "Ao salvar as espécies, não só ajudamos o pequeno produtor, que sofre com a concorrência das grandes corporações, mas salvamos receitas e tradições que corriam o risco de sumir." O Brasil tenta incluir na Arca uma série de outras espécies, como a manga-rosa e o queijo-de-minas. "Vale lembrar que a produção do queijo-de-minas autêntico requer o uso do leite cru, que traz para nosso paladar as características do local onde é feito, como o clima, a terra, o gado, a pastagem, num processo de preservação de culturas gastronômicas regionais", relata Homero Vianna, do Slow Food Minas Gerais.
A Itália também foi palco do nascimento de outro movimento, o Città Slow (cidade lenta). Ele foi inspirado no conceito das comunas italianas do século 12, cidades onde os homens viviam juntos em harmonia. A Itália hoje concentra 60 delas e outras 20 se espalham por países como Inglaterra e Portugal. Não é fácil ganhar o título de cidade lenta, já que poder público e sociedade devem assumir um compromisso conjunto de zelar pela tradição, meio ambiente e educação locais.
Outras iniciativas também têm buscado transformar o espaço urbano num lugar mais aprazível, onde os bairros e as vias expressas são repensados para dar mais espaço ao pedestre e menos aos carros. É o chamado Novo Urbanismo. "Vários dos princípios aplicados a cidades como Londres, por exemplo, vieram do Città Slow. Em Vancouver, o sistema viário sofreu várias transformações para tirar espaço dos carros e estimular a caminhada e o uso de bicicletas", relata o escritor Carl Honoré. Alguns grupos fazem verdadeira campanha pela redução da velocidade dos carros nas cidades, como é o caso do Slower Speeds Iniciative (iniciativa para velocidades menores), do Reino Unido. "Acreditamos que a redução da velocidade vai encorajar a caminhada e o ciclismo, aumentar a segurança, reduzir a poluição, o barulho e o estresse", diz Paige Mitchell, coordenador do projeto.
Mas uma das idéias mais ousadas e bem humoradas veio da cabeça de dois designers franceses, que lançaram um manifesto e um desafio às montadoras apresentando o projeto de um carro devagar. "Percebemos que a velocidade e a potência ditaram o design dos carros no último século. Por isso decidimos mudar esses parâmetros, criando um projeto para a vida real. Um carro que pudesse rodar em Paris a 15 km/h. A vida certamente iria mudar", conclui Olivier Peyricot, um dos designers que criaram o projeto.

Em busca do tempo (livre) perdido

Tempo é sinônimo de dinheiro desde que a Revolução Industrial mudou para sempre os meios de produção. O resultado acabou sendo de certa forma nefasto para o trabalhador. Hoje se passam horas demais no ambiente de trabalho e horas de menos com a família. Até as férias foram minguando. "O excesso de trabalho é um fenômeno global. O mercado global e a tecnologia de comunicação instantânea fizeram do trabalhador um escravo do relógio. E nós nos tornamos escravos dessa tecnologia. Somos HDs com cabelo. É importante colocar limites, caso contrário, o trabalho dominará nossas vidas", diz Joe Robinson, autor do livro "Work to Live" ("Trabalhar para Viver", ainda inédito no Brasil).
Em todo o mundo, uma série de organizações tem buscado colocar a redução e a flexibilização do horário de trabalho e o aumento do período de férias na pauta política de seus países. "Eu inventei o termo 'desordem do déficit de férias' com o intuito de chamar a atenção para a perda do período de descanso nos Estados Unidos. Nós temos as menores férias do mundo industrializado: 8,1 dias depois de um ano de trabalho e 10 dias depois de 3 anos", acrescenta Robinson, também fundador da ONG Work to Live.
Epidemia de estresseO grupo foi criado em 2000, depois de Robinson "ficar cansado de tanto escrever" sobre o assunto. "Estamos trabalhando em conjunto com outras organizações, como a Take Back your Time (Pegue seu Tempo de Volta), para tentar impedir o avanço da epidemia de excesso de trabalho. Uma das estratégias é encontrar aliados na indústria do turismo para fazer lobby no Congresso. Vários deles já estão fazendo campanha por férias maiores. A mais bem-sucedida, acho, é a do hotel Universal Orlando, cujos comerciais passam no horário nobre da TV. Um deles mostra um grupo de donos de cemitérios agradecendo aos americanos por darem trabalho para os agentes funerários", conta ele.
No Canadá, entidades como o "32 Horas" - ativo entre 95 e 2000 - lutaram pela redução da jornada de trabalho para 32 horas semanais e conseguiram alguns resultados reais. "Um exemplo é a empresa Powell River, onde os empregados tiveram uma redução de 42 horas para 40 horas. Depois, a jornada foi diminuída para 37 horas para que os amigos desempregados voltassem a ter uma posição. No começo, muitos não gostaram porque tiveram seus salários reduzidos, mas hoje eles têm muito mais tempo livre e sabem que ajudaram a criar empregos na comunidade", afirma Anders Hayden, autor do livro "Sharing the Work, Sparing the Planet" ("Dividindo o Trabalho e Poupando o Planeta", não lançado por aqui).
Outros grupos lutam para que os trabalhadores tenham tempo para suas famílias, como é o caso do Putting Family First (Colocando a Família em Primeiro Lugar) e o Timing for Family (Tempo para a Família). "Mais do que organizações políticas, esses são grupos de pessoas que apelam para que os pais tentem encontrar mais tempo para suas famílias e filhos", relata William Doherty, da Faculdade de Ecologia Humana da Universidade de Minnesota.

Criatividade à velocidade zen
Os movimentos culturais também foram impregnados pelo espírito da lentidão. O design devagar, por exemplo, foi concebido em 2002 para tentar recuperar um bem-estar que foi sendo perdido. "Eu sempre achei que o design deve ter sua própria filosofia e código ético e não só adotar o ponto de vista do cliente. O design devagar leva as pessoas a entenderem que há outros metabolismos, ritmos, experiências e significados, privilegiando a importância das culturas, materiais e pessoas", explica Alastair Fuad-Luke, criador do conceito e membro do Slow Lab (laboratório lento). Baseada em Nova York, a organização não tem fins lucrativos e funciona como uma espécie de ponto de convergência para idéias e projetos de vanguarda que respeitem a sustentabilidade e a filosofia devagar. "O fato dos integrantes do Slow Lab serem de todo o planeta mostra que a lentidão é um conceito que 'pega' em qualquer lugar", afirma Carolyn Strauss, fundadora do laboratório.
Na música, os princípios do devagar se infiltraram no erudito e na eletrônica. Um dos membros da Sociedade pela Desaceleração do Tempo criou um projeto cujo objetivo é a busca de um novo "andamento". O pianista alemão Uwe Kliemt defende que, ao longo dos anos, os músicos foram gradualmente aumentando a velocidade com que tocavam obras clássicas. Fundador do site Tempo Giusto (www.tempogiusto.de) e membro da Sociedade para a Desaceleração do Tempo, Kliemt justifica-se ao citar uma carta de 1876, assinada por Franz Liszt. Nela, o compositor dizia a um amigo que levava quase uma hora para executar a Sonata "Hammerklavier", de Beethoven. Segundo o alemão, hoje alguns pianistas a tocam em 35 minutos. Para corrigir distorções como essa, Kliemt faz palestras explicativas e concertos-demonstração pela Europa.
Concerto de 639 anosNa Alemanha, uma igreja na cidade de Halberstadt abriga um órgão onde está sendo executada desde 2001 a peça mais longa de toda a história. Escrita pelo compositor experimental americano John Cage, a peça "As Slow as Possible" ("Tão Lento quanto for Possível") vai levar 639 anos para chegar ao fim. A cada 18 meses, um organista vai até a igreja para tocar uma única nota.
Já o duo Scratch 'N Sniff, formado pelas alemãs Cassis Birgit Staudt e Serena Jost, faz música eletrônica em ritmo lento. Aderindo ao movimento global, as garotas se auto-intitulam DJs lentas. "Nós tocamos num volume que permite às pessoas conversarem. E cozinhamos também, lançando odores no ar que estimulam a criatividade. As músicas rolam numa velocidade muito menor do que estamos acostumados. No nosso set, tudo é 'fresco', feito a mão, da manteiga aos sons", conta Cassis. Ser devagar é "cool" ou não é?

quarta-feira, 18 de junho de 2008

O homem que plantava árvores, de Jean Giono

JEAN GIONO

O homem que plantava árvores1


Há cerca de 40 anos eu fiz uma longa excursão a pé por montanhas absolutamente desconhecidas por turistas naquela velha região onde os Alpes penetram na Provença.

Esta região é delimitada no sudeste pelo curso médio do Durance, entre Sisteron e Mirabeau, ao norte pelo curso superior do Drome, de sua nascente até o Die, a oeste pelos planos do Condado Venaissin e pelas beiradas do Monte Ventoux. Incluía toda a parte norte do departamento dos Alpes Baixos, o sul de Drome e um pequeno enclave do Vaucluse.

No momento em que iniciei minha longa jornada através desta região desértica, ela consistia em estéreis e monótonas terras, entre 1200 e 1300 metros acima do nível do mar. Nada crescia ali a não ser lavanda silvestre


Eu estava cruzando esta região na sua parte mais larga e depois de andar por três dias, eu me achei na mais completa desolação. Eu acampei perto do esqueleto de uma vila abandonada. Eu usara o resto da minha água no dia anterior e precisava achar mais. Apesar das casas estarem em ruínas e parecerem um velho ninho de vespas, pensei que deveria haver uma fonte ou um poço por lá. De fato, havia uma fonte, mas estava seca. As cinco ou seis casas sem telhado, carcomidas pelo sol e pelo vento, e a pequena capela com o campanário destruído, estavam arranjadas como as casas e capelas de aldeias vivas, mas toda a vida desaparecera.


Era um lindo dia de junho cheio de sol, mas nestas terras sem abrigo, o vento soprava com insuportável violência, rosnando nas carcaças das casas como um animal selvagem perturbado durante sua refeição

Eu precisava levantar meu acampamento. Depois de cinco horas andando, eu ainda não achara água e nada deu-me esperança de achá-la. Tudo era a mesma secura, a mesma vegetaçao lenhosa. Eu pensei ter visto a distância uma silhueta escura. Fui até lá. Era um pastor. Cerca de trinta ovelhas estavam descansando perto dele na terra seca.

Ele me deu de beber de seu cantil e um pouco depois ele me levou para sua cabana de pastor, numa ondulação do platô. Ele retirou sua água – de excelente qualidade – de um poço natural, muito profundo, onde ele instalara uma roldana rudimentar.
Este homem falava pouco. Isso é comum entre aqueles que vivem sozinhos, mas ele parecia seguro de si e confiava nessa segurança, o que era surpreendente naquela região árida.

Ele morava, não na cabana, mas numa casa real de pedras, pelo visto era claro que fora ele mesmo que restaurara as ruínas que ele achara quando chegou. Seu telhado era sólido e bem vedado. O vento soprava contra as telhas com o som do mar batendo na praia.

A casa estava em ordem, seus pratos estavam limpos, seu chão varrido, seu rifle lubrificado, sua sopa fervia no fogo, eu reparei então que ele estava recém-barbeado, que todos os seus botões eram solidamente costurados e que suas roupas estavam remendadas de tal modo que os remendos eram invisíveis.

Combinamos que eu passaria a noite lá, a vila mais próxima estava a mais de um dia e meio de distância. Além disso, eu percebi perfeitamente bem o caráter das vilas da região. Havia quatro ou cinco delas dispersas pelos flancos das montanhas, nos bosques de carvalhos brancos no fim das estradas passáveis por carruagens. Eram habitadas por lenhadores que faziam carvão. Eram lugares onde a vida era pobre. As famílias, que viviam juntas em cômodos pequenos num clima excessivamente duro, tanto no verão quanto no inverno, lutavam egoisticamente entre si.

Inimizade irracional cresce além dos limites, alimentada pela luta contínua para escapar daquele lugar. Os homens levam seu carvão às cidades em seus caminhões e então retornam. As qualidades mais sólidas quebram debaixo dessa perpétua ducha escocesa. As mulheres tornam-se amargas. Há competição acerca de tudo, da venda do carvão aos bancos da igreja. As virtudes lutam entre si, os vícios lutam entre si e há um combate incessante entre os vícios e as virtudes. Acima de tudo o vento igualmente incessante irrita os nervos. Há epidemias de suicídios e numerosos casos de insanidade, quase sempre assassinos.


O pastor, que não fumava, tirou pegou um saco e espalhou sobre a mesa uma porção de frutos de carvalho. Ele começou a examiná-los um por um com grande atenção, separando os bons dos ruins. Eu fumava meu cachimbo. Eu me ofereci para ajudá-lo, mas ele me disse que que aquilo era função dele. De fato, vendo o cuidado com que ele devotava a este trabalho, eu não insisti. Esta foi toda a nossa conversa. Quando ele tinha um pilha de frutos bons, ele os contou em grupos de dez. Enquanto fazia isso ele eliminava alguns, desprezando os menores ou os que tinham rachaduras, pois ele os examinava bem de perto. Quando ele teve diante dele cem frutos de carvalho perfeitos ele parou e fomos dormir.

A companhia deste homem trouxe-me uma sensação de paz. Eu perguntei-lhe na manha seguinte se eu podia ficar e descansar o dia inteiro com ele. Ele achou aquilo perfeitamente natural. Ou, mais exatamente, ele me deu a impressão de que nada podia perturbá-lo. Este descanso não era absolutamente necessário para mim, mas eu fiquei intrigado e queria saber mais a respeito daquele homem. Ele tirou as ovelhas do aprisco e levou-as ao pasto. Antes de partir ele molhou num balde d'água o saquinho que continha os frutos de carvalho que ele tão cuidadosamente havia escolhido e contado.

Eu notei que ele carregava como uma espécie de cajado uma barra de ferro de um metro e meio de comprimento e a espessura de seu polegar.
Eu andei como se estivesse passeando, seguindo uma rota paralela a sua. Suas ovelhas pastavam no fundo de um vale. Ele deixou seu rebanho aos cuidados de seu cachorro e subiu até o ponto onde eu estava. Eu fiquei temeroso de que ele viesse para me repreender por indiscrição, mas nao: era sua própria rota e ele me convidou para acompanhá-lo, se eu não tivesse nada melhor para fazer. Ele continuou subindo por duzentos metros.

Tendo chegado ao local destinado, ele começou a cavar a terra com o cajado de ferro, fazendo um buraco onde ele punha um fruto de carvalho, cobrindo o buraco depois. Ele estava plantando carvalhos. Eu lhe perguntei se aquela terra pertencia a ele. Ele disse que não. Ele sabia a quem aquelas terras pertenciam? Ele não sabia. Ele supunha que era terra comunal, ou talvez pertencesse a alguém que não se importava com ela. Ele mesmo não se importava em conhecer quem era o proprietário. Deste modo ele plantou seus cem frutos com todo o cuidado.

Depois do almoço ele começou a separar seus frutos de novo. Eu devo ter insistido o suficiente em minhas perguntas porque ele as respondeu. Há três anos ele plantava árvores deste modo solitário. Ele havia plantado cem mil. Destes cem mil, vinte mil nasceram. Ele contava em perder metade destas para os roedores ou para qualquer outra coisa imprevisível nos desígnios da Providência. Então sobrariam dez mil carvalhos que cresceriam onde antes não havia nada.

Neste momento eu comecei a imaginar qual seria sua idade. Claramente passara dos cinquenta anos. Cinquenta e cinco ele, ele me disse. Seu nome era Elzeard Bouffier. Ele tivera uma fazenda nas planícies onde vivera a maior parte de sua vida. Ele perdera seu único filho, e depois sua esposa. Ele retirou-se à solidão, onde ele se comprazia numa vida sossegada, com seu rebanho de ovelhas e seu cachorro. Ele concluíra que aquela terra estava morrendo por falta de árvores e acrescentou que, não tendo nada mais importante para fazer, ele decidira remediar aquela situação.

Levando como eu naquele tempo uma vida solitária a despeito da minha juventude, eu sabia como tratar pessoas solitárias com delicadeza. Ainda assim, eu cometi um erro. Era precisamente a minha juventude que me forçara a imaginar o futuro em meus próprios termos, incluindo uma certa busca por felicidade. Eu disse a ele que em trinta anos aqueles dez mil carvalhos seriam magníficos. Ele me respondeu muito simplesmente que, se Deus lhe desse vida, em trinta anos ele plantaria muito mais árvores do que aqueles dez mil carvalhos, de modo que eles pareceriam uma gota no oceano.


Ele também começara a estudar a propagação de faias e tinha perto de sua casa um viveiro cheio de mudas crescidas. Seus pequenos protegidos, que ele mantinha longe das ovelhas com uma cerca de arame, cresciam belas. Ele também considerara plantar bétulas nos fundos do vale onde, ele me disse, havia umidade a apenas alguns metros debaixo da superfície do solo.

Nós nos despedimos no dia seguinte.
No ano seguinte estourou a Guerra de 1914, no qual engajei-me por cinco anos. Um soldado de infantaria dificilmente pensaria em árvores. Para falar a verdade, o negócio todo não me impressionou muito. Eu o considerei como um hobby, como coleção de selos e eu o esqueci.

Quando a Guerra acabou, eu ganhei um pequeno bônus de desmobilização e um grande desejo de respirar um pouco de ar puro. Sem nenhuma preocupação além disso, eu voltei para aquelas terras desertas.

A terra não mudara. Entretanto, além daquela aldeia morta eu percebi a distancia uma certa névoa cinzenta que cobria os morros como um carpete. Desde o dia anterior eu pensava no pastor que plantava árvores. Dez mil carvalhos, eu disse para mim mesmo, devem ocupar bastante espaço.

Eu vira tanta gente morrer durante aqueles cinco anos que não seria difícil imaginar a morte de Elzeard Bouffier, principalmente porque um homem de vinte anos pensa que um homem de cinquenta é velho o suficiente para morrer. Ele não estava morto. De fato, estava bem vigoroso. Ele mudara de emprego. Agora ele só tinha quatro ovelhas, mas em compensação, ele agora tinha cerca de cem colméias. Ele se livrara das ovelhas porque elas ameaçavam suas árvores. Ele me disse (como eu podia ver por mim mesmo) que a Guerra não o perturbara. Ele continuava imperturbável em seu plantio.

Os carvalhos de 1910 agora tinham dez anos e estavam mais altas do que eu e ele. O espetáculo era impressionante. Eu fiquei literalmente sem voz e ele mesmo não falava, nós passamos o dia inteiro em silêncio, andando através da floresta, que tinha três seções, onze quilômetros de comprimento e na sua parte mais larga, três quilometros de largura. Quando eu pensei que tudo aquilo nascera das mãos e da alma daquele único homem – sem auxílio técnico, entendi que homens podiam ser tão eficazes quanto Deus em domínios que não fossem a destruição.

Ele havia seguido a sua idéia e as faias que alcançavam os meus ombros e se estendiam até onde onde a vista alcançava eram prova disso. Os carvalhos agoram estavam largos e passaram da idade em que estariam a mercê dos roedores. Quanto aos desígnios da Providência, para destruir o trabalho que fora criado, precisaria agora de um ciclone. Ele mostrou-me admiráveis bosques de bétulas que datavam de cinco anos atrás, isto é de 1915, quando eu estava lutando em Verdum. Ele as tinha plantado nos vales onde ele suspeitara, corretamente que havia água perto da superfície. Elas eram tenras como moças e muito determinadas.

Esta criação parecia, alias, de funcionar numa reação em cadeia. Ele não se preocupava com isso, ele continuava obstinadamente em sua simples tarefa. Mas, voltando a aldeia eu vi água correndo em riachos que, até onde era possível lembrar, sempre foram secos.

Este foi o mais impressionante renascimento que ele me mostrara. Estes riachos tiveram água antes, em dias antigos. Certo de que as tristes aldeias das quais falei no início de meu relato foram construidas no lugar de antigas cidades Gálico-romanas, onde ainda há vestígios, escavações de arqueólogos acharam anzois em locais onde em tempos mais recentes cisternas eram necessarias para se ter um pouco de água

O vento também trabalhara, dispersando certas sementes. A medida que a água reaparecia, assim também os salgueiros, os vimes, os campos, os jardins, as flores e uma certa razão de viver.
Mas a transformação acontecera tão lentamente que as pessoas se acostumaram a ela, não provocou nenhuma surpresa. Os caçadores que subiam os montes em busca de lebres ou javalis perceberam o aparecimento de pequenas árvores, mas atribuiram-no a ação natural da terra. Este é o porque de ninguém ter tocado no trabalho deste homem. Se eles tivessem suspeitado dele, eles teriam tentado frustra-lo. Mas ele nunca esteve sob suspeita: Quem entre os aldeões ou os administradores suspeitariam que alguém pudesse mostrar tal obstinação em cumprir este magnífico ato de generosidade?

De 1920 em diante eu nunca deixei passar um ano sem que eu visitasse Elzeard Bouffier. Eu nunca o vi desanimar ou hesitar, ainda que o próprio Deus pudesse dizer o quanto Sua mão contribuiu para isso! Não falei nada a respeito de seus dissabores, mas você pode facilmente imaginar que para conquistar tais êxitos, era necessário conquistar a adversidade, que, para assegurar a vitória de tal paixão, era necessário lutar contra o desespero. Num ano ele plantara dez mil plátanos. Todos eles morreram. No ano seguinte, ele desistiu dos plátanos e voltou para as faias, que davam mais certo do que os carvalhos.

Para se ter uma idéia verdadeira desta figura extraordinária, não se pode esquecer que ele trabalhava em total solitude, tão total que, a caminho do fim de sua vida, ele perdeu o hábito de falar. Ou talvez ele simplesmente não visse a necessidade disso.

Em 1933 ele recebeu a visita de um espantado guarda florestal. Este funcionário ordenara-lhe cessar as fogueiras ao ar livre, com medo que ameaçassem esta "floresta natural". Era a primeira vez, este homem ingênio dissera – que a floresta crescera inteiramente por ela mesma. Na época deste incidente, ele estava pensando em plantar faias num ponto doze quilometros além de sua casa. Para evitar as idas e vindas – porque naquele tempo ele tinha setenta e cinco anos – ele planejara construir uma cabana de pedras onde ele estava fazendo seu plantio. Ele fez isso no ano seguinte.

Em 1935, uma verdadeira delegação administrativa foi examiner esta "floresta natural". Estavam presentes um alto funcionário do Departamento de Aguas e Florestas, um deputado e alguns técnicos. Foram ditas muitas palavras inúteis. Foi decidido fazer algo, mas por sorte, nada foi feito, exceto por algo realmente útil: colocar a floresta debaixo da proteção do Estado e proibir qualquer um de fazer carvão. Porque era impossível não ser tomado pela beleza daquelas árvores jovens cheias de saúde. E a floresta exerceu seu poder sedutor até mesmo sobre o deputado.

Eu tive um amigo entre os chefes que estiveram na delegação. Eu expliquei o mistério para ele. Na semana seguinte fomos juntos procurar Elzeard Bouffier. Nós o achamos no trabalho duro, vinte quilometros além do lugar onde a inspeção fora feita.

Este guarda florestal não era meu amigo por nada. Ele compreendia o valor das coisas. Ele soube se manter calado. Eu lhe ofereci alguns ovos que eu trouxera comigo com um presente. Repartimos o lanche entre nós três e então passamos várias horas em muda contemplação da paisagem.

As colinas de onde nós viemos estavam cobertas com árvores de seis ou sete metros de altura. Eu me lembrava do aspecto do lugar em 1913: era um deserto. O trabalho calmo e regular, o ar puro das montanhas, sua frugalidade e, acima de tudo, a serenidade de sua alma deram ao velho uma boa saúde. Ele era um atleta de Deus. Eu perguntei a mim mesmo quantos hectares ele já tinha coberto de árvores.

Antes de ir embora, meu amigo fez uma simples sugestão a respeito de certas espécies de árvores que combinavam mais com aquela terra. Ele não foi muito insistente. – Por uma boa razão, ele me disse depois – aquele sujeito sabe muito mais sobre árvores do que eu. Depois de outra hora de caminhada, este pensamento tendo viajado junto com ele, ele adicionou – Ele conhece muito mais acerca deste assunto do que qualquer pessoa. – e ele achou uma boa forma de ser feliz!


Foi graças aos esforços deste guarda florestal que a floresta foi preservada e com isso a felicidade daquele homem. Ele designou três guardas florestais para a preservação e os aterrorizou tanto que eles se mantiveram indiferentes às garrafas de vinho que os lenhadores poderiam oferecer-lhes como propina.

A floresta não correu nenhum grave risco exceto durante a Guerra de 1939. Então automóveis moviam-se com álcool de madeira, e não havia madeira suficiente. Eles começaram a cortar alguns carvalhos de 1910, mas as árvores ficavam tão longe das estradas que o empreendimento mostrou-se financeiramente ruim e foi logo abandonado. O pastor nunca soube disso. Ele estava a trinta quilometros de lá, tranquilamente continuando sua tarefa, imperturbável pela Guerra de 1939 como ele fora com a Guerra de 1914.


Eu vi Elzeard Bouffier pela última vez em junho de 1945. Ele estava com oitenta e sete anos então. Eu mais uma vez fiz meu caminho pelo deserto, apenas para ver que, a despeito da devastação que a Guerra fizera ao país, agora havia um ônibus rodando entre o vale de Durance e a montanha. Eu atribui a este relativamente rápido meio de transporte o fato de não reconhecer mais os lugares que eu conhecera nas minhas visitas anteriores. Parecia-me que a rota estava me levando para lugares inteiramente novos. Eu tive que perguntar o nome da aldeia para me certificar que eu estava de fato passando através daquela mesma região, antes tão arruinada e desolada. O ônibus deixou-me em Vergons. Em 1913 esse ajuntamento de dez ou doze casas tinha três habitants. Eles eram selvagens, odiando-se mutuamente e ganhando seu sustento caçando com armadilhas. Física e moralmente, eles se pareciam com homens pré-históricos. Ao redor, as urtigas devoravam as casas. Suas vidas eram sem esperança, era apenas questão de esperar a morte chegar… uma situação que dificilmente predispõe alguém a virtude.

Tudo mudara, até o ar. No lugar do vento seco e violento que me cumprimentara tempos atrás, uma brisa gentil sussurrava para mim, trazendo doces aromas. Um som como de água corrente veio das Alturas: era o som do vento nas árvores. E o mais espantoso de tudo, eu ouvi o som de água jorrando num lago. Eu vi que eles construíram uma fonte, que estava cheia de água, e o que mais me tocou, que perto dela eles haviam plantado uma tília que deveria ter pelo menos quatro anos, já frondosa, um símbolo incontestável de ressurreição.


Além disso, Vergons mostrava os sinais de trabalhos para os quais esperança é necessária. A esperança voltara, portanto. Eles limparam as ruínas, derrubaram os muros quebrados, e reconstruíram cinco casas. O povoado agora contava com vinte e oito habitantes, incluindo quatro jovens famílias. As casas novas, recém-caiadas, tinham em volta jardins onde cresciam verduras e flores, repolhos e roseiras, alho-poró e boca de leão, aipo e anemonas. Era agora um lugar onde qualquer pessoa ficaria feliz em viver.

De lá eu continuei a pé. A Guerra em que nós mal tínhamos emergido não permitia que a vida desabrochasse completamente, mas agora Lázaro já saíra do túmulo. Na parte mais baixa da montanha eu vi campos de cevada e centeio, no fundo dos vales estreitos, campos cobriam-se de verde.

De oito anos para cá a terra ao redor desabrochou com esplendor. No lugar das ruínas que eu vira em 1913 agora há fazendas bem cuidadas, o sinal de uma vida confortável e feliz. As velhas fontes, nutridas pela chuva e pela neve que agora são retidas pelas florestas, mais uma vez começaram a correr. As águas foram canalizadas. Perto de cada fazenda, entre bosques de plátanos, os lagos das fontes são margeadas por carpetes de menta fresca. Pouco a pouco, as aldeias têm sido reconstruídas. Jovens vieram das planícies, onde a terra é cara, trazendo com eles juventude, movimento e espírito de aventura. Andando pelas estradas você encontrará homens e mulheres saudáveis e meninos e meninas que saber como rir, e que reconquistaram o gosto pelas tradicionais festas do campo. Contando com a antiga população da area, agora irreconhecível pela vida farta e pelos recém-chegados, mais de dez mil pessoas devem sua felicidade a Elzeard Bouffier.

Quando eu penso que um único homem, confiando apenas em seus próprios recursos físicos e morais, foi capaz de transformar um deserto nesta terra de Canaã, eu estou convencido que a despeito de tudo, a condição humana é verdadeiramente admirável. Mas quando eu levo em conta a constância, a grandeza da alma, e a dedicação desprendida necessária para trazer esta transformação, eu sou tomado de um imenso respeito por este camponês velho e inculto que soube como realizar esta obra digna de Deus.

Elzeard Bouffier morreu tranquilamente em 1947 no asilo de Banon.


1 http://home.infomaniak.ch/~arboretum/man_tree.htm - Acessado em 13 de junho de 2008 e traduzido para o seminário de 17 de junho de 2008



quarta-feira, 11 de junho de 2008

Conheça o Colaboratório de Infoeducação - ColaborI

O Colaboratório de Infoeducação - ColaborI, criado na ECA/USP, é uma iniciativa de pesquisadores interessados na problemática da apropriação simbólica, tendo em vista processos sociais de protagonismo cultural. Tal problemática é enfocada a partir do estudo das relações entre os dispositivos de informação e cultura e as aprendizagens informacionais próprios da contemporaneidade.
Encontros: quintas-feiras, às 10h, área dos núcleos da ECA (em frente ao prédio principal ECA/ao lado da FEA), sala 09.
http://colabori.blogspot.com/

5º Seminário Educação e Leitura-Brasil

Dica de evento:
Em parceria com a Cátedra UNESCO de Leitura, o 5º Seminário Educação e Leitura-Brasil acontecerá de 10 a 14 de novembro de 2008, em Natal-RN.
O 5º SEL é uma iniciativa do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e há um Grupo de trabalho sobre Educação e espaços de leitura.
Participem e divulguem!
Mais informações no site: www.ccsa.ufrn.br/5sel

Abraços,
Elis

terça-feira, 3 de junho de 2008

INCOMPREENSÍVEIS PARA AS MASSAS_MAIAKÓVSKI

INCOMPREENSÍVEIS PARA AS MASSAS
MAIAKÓVSKI
Entre escritor
e leitor
posta-se o intermediário,
e o gosto
do intermediário
é bastante intermédio.
Medíocre
mesnada
de medianeiros médios
pulula
na crítica
e nos hebdomadários.
Aonde
galopando
chega teu pensamento,
um deles
considera tudo
sonolento:
- Sou homem
de outra têmpera! Perdão,
lembra-me agora
um verso
de Nadson...
O operário
Não tolera
linhas breves.
E com tal
mediador
ainda se entende Assiéiev
Sinais de pontuação?
São marcas de nascença!
O senhor
corta os versos
toma muitas licenças.
Továrich Maiacóvski,
porque não escreve iambos?
Vinte copeques
por linha
eu lhe garanto, a mais.
E narra
não sei quantas
lendas medievais,
e fala quatro horas
longas como anos.
O mestre lamentável
repete
um só refrão:
- Camponês
e operário
não vos compreenderão.
O peso da consciência
pulveriza
o autor.
Mas voltemos agora
ao conspícuo censor:
Campones só viu
há tempo
antes da guerra,
na datcha,
ao comprar
mocotós de vitela.
Operários?
Viu menos.
Deu com dois
uma vez
por ocasião da cheia,
dois pontos
numa ponte
contemplando o terreno,
vendo a água subir
e a fusão das geleiras.
Em muitos milhões
para servir de lastro
colheu dois exemplares
o nosso criticastro.
Isto não lhe faz mossa -
é tudo a mesma massa...
Gente - de carne e osso!!
E à hora do chá
expende
sua sentença:- A classe
operária?
Conheço-a como a palma!
Por trás
do seu
silêncio,
posso ler-lhe na alma -
Nem dor
nem decadência.
Que autores
então
há de ler essa classe?
Só Gógol,
só os clássicos.
Camponeses?
Também.
O quadro não se altera.
Lembra-me e agora -
a datcha, a primavera...
Este palrar
de literatos
muitas vezes passa
entre nós
por convívio com a massa.
E impige
modelos
pré-revolucionários
da arte do pincel,
do cinzel,
do vocábulo.
E para a massa
flutuam
dádivas de letrados -
lírios,
delírios,
trinos dulcificados.
Aos pávidos
poetas
aqui vai meu aparte:
Chega
de chuchotar
versos para os pobres.
A classe condutora,
também ela pode
compreender a arte.
Logo:
que se eleve
a cultura do povo!
Uma só,
para
todos.
O livro bom
é claro
e necessário
a vós,
a mim,
ao camponêse ao operário.
(Tradução de Haroldo de Campos)

quadro do programa de infoeducação

Olá, não coloquei no blog o texto pois ele não vinha como quadro, então postei no nosso e- grupo do Yahoo. DE qualquer forma todas o recebemos impresso.abraços, Luciana