segunda-feira, 12 de maio de 2008

A noção de competência

Philippe Perrenoud
Resumo por Maria Fernanda Salles de Aguiar


Em primeiro lugar, gostaria de deixar minha impressão sobre o texto, uma vez que ao ler os trabalhos das colegas percebi o incômodo que este causou (felizmente, não fui a única!).

Confesso que entender o texto foi um trabalho árduo, muitas vezes os termos escolhidos pareciam não me dizer muita coisa, o que resultou num exercício de substituição - a troca dos termos estranhos por outros mais familiares. Me senti decifrando uma coisa escrita em códigos, a impressão que eu tinha era de estar "pegando o touro a unha". Temo que o resumo tenha se tornado maior do que o próprio texto, mas sua redação fez parte do processo de compreensão.

No final das contas, fiquei pensando se a intenção do autor não seria mesmo despertar no leitor toda sorte de experiências de aprendizado, de forma a comprovar sua tese sobre competência!

Brincadeiras a parte, espero com ansiedade o momento em que o texto será desvendado. Voilá!

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Segundo o autor, a noção de competência é algo impreciso. Não existe um consenso em torno do que este termo quer dizer. O texto em questão procura identificar o que é competência e seus múltiplos significados no contexto do "ensino-aprendizagem".

1) Três pistas falsas (ou três versões aceitas, porém imprecisas):

a. Competência e pedagogia por objetivos: competência no sentido de uma prática observável, ou objetivo alcançado. Citando Hameline e Saint-Onge, o autor menciona os termos “behaviorismo sumário”, “taxionomias intermináveis”, “excessivo fracionamento dos objetivos”, “organização do ensino objetivo por objetivo” – ou seja, um treino com vistas à obtenção de um resultado. Para ele, a pedagogia por objetivos é até aceitável se utilizada para finalidades educacionais específicas, como em situações em que não há muito tempo disponível para o ensino-aprendizagem (alguns ensinamentos técnicos?). Perrenoud lembra que utilizar o termo competência para designar um objetivo alcançado pode induzir ao erro de pensar que “cada aquisição escolar verificável é uma competência”.

b. Competência como desempenho: a idéia de desempenho utilizado como indicador de competência é uma acepção da lingüística e da psicologia. Embora essa forma de aprendizado seja condenado teoricamente, ele cita o aprendizado de cor como exemplo de desempenho que acaba sendo aceito na prática (por minha vez, penso que boa parte das avaliações que conhecemos se baseiam na crença de que o desempenho, a performance, representariam aquisição de competências). Para diferenciar os dois conceitos o autor os opõe, dizendo que o desempenho é algo sempre visível e observável, enquanto a competência nem sempre o é. No entanto, a realização de um conjunto de ações pode significar a aquisição de competências, embora isso não signifique que é possível determinar que competências foram desenvolvidas neste caso.

c. Competência como faculdade genética: para Chomsky, a competência é a capacidade de improvisar continuamente, uma característica da espécie humana – a capacidade de criar respostas sem que esta dependa da existência de um repertório anterior. Como exemplo, a fala, “uma competência inata do ser humano”. Perrenoud contesta esta afirmação dizendo que “nenhuma competência é estimulada desde o início”, ou seja, cada indivíduo nasce com esta capacidade, só que esta, para se realizar precisa de um aprendizado. As competências, nesse sentido, são aquisições, aprendizados construídos.

2) Mobilizar os recursos, uma estranha alquimia

Para Le Boterf, além do aprendizado, é necessário desenvolver a capacidade de mobilização, ou seja, para além de aprender uma língua estrangeira, por exemplo, é necessário o esforço de mobilização dos conhecimentos em uma situação de comunicação escrita ou oral. Uma “prova” disso seria a utilização de métodos orais para simular situações práticas, com o intuito de promover o aprendizado das línguas estrangeiras. Porém, este recurso não faz com que todos os alunos adquiram competências reais em línguas estrangeiras. A partir deste exemplo, o autor conclui que algumas competências, como a do aprendizado de uma língua estrangeira, para se constituir devem se apoiar em exercícios que propiciem situações de interação (de repetição e de variação), engajamento pessoal e desejo de entender e fazer-se entender. Ou seja, estes exercícios ajudam a desenvolver esquemas que permitem contextualição numa situação de comunicação.

Num segundo exemplo, é citado um texto de ciências, utilizado para avaliar competências no ensino médio francês. Embora o exercício se baseie num texto informacional e declarativo, o exame solicita que o aluno o relacione com uma dada situação prática, o que favorece a mobilização de algumas capacidades, mas que faria do exercício algo insuficiente para promover aprendizagem de fato. Sobre o exercício proposto: “Estando já presentes, organizados e designados pelo contexto, fica escamoteada essa parte essencial da transferência e da mobilização”.

A conclusão é que a construção de competências tem a ver com o aprendizado e a identificação de “conhecimentos pertinentes”. O autor propõe a construção de competências por meio de aprendizados práticos, que levem em consideração as descobertas de quem investiga, o que contribuiria para implementar esquemas de mobilização dos conhecimentos.

Esquemas e competências

“Só há competência estabilizada quando a mobilização dos conhecimentos supera o tatear reflexivo ao alcance de cada um e aciona esquemas constituídos”, afirma Perrenoud. E mais adiante: “O esquema, como estrutura não-variante de uma operação ou de uma ação, não condena a repetição”.

Exemplos: o esquema de subtração e o esquema de marcação do adversário num jogo de futebol.

Os esquemas que tornam possível estes aprendizados podem ser adquiridos na prática, o que não impede a construção de uma teoria para apoiá-los. Esses esquemas permitem-nos uma série de mobilizações no enfrentamento de cada uma das situações: conhecimentos, métodos, informações e regras.

Uma competência seria, então, um conjunto de esquemas.

(E eu me pergunto: neste caso, qual seria a diferença, então, entre competência e condicionamento?)

Esquemas constituídos e condutas de pesquisa

O conhecimento, ou sua assimilação, é algo que pode se dar de forma imperceptível, embora às vezes seja necessário esforço para apreender um determinado esquema.

Perrenoud lembra que mesmo quando não há esforço, isso não quer dizer que não há mobilização, de forma que neste caso a competência se relaciona com um “esquema estabilizado”. Eventualmente a mobilização não fica evidenciada, requerendo uma “consulta de referência ou de pessoas-recursos” (nota: caso do professor?).

Segundo Bastien, um especialista é competente porque simultaneamente:

- domina as situações mais comuns, por ter à disposição esquemas complexos que podem entrar imediata e automaticamente em ação, sem vacilação ou reflexão real;

- é capaz de, com um esforço razoável de reflexão, coordenar e diferenciar seus esquemas de ação e seus conhecimentos para enfrentar situações inéditas.

Para Perrenaud, a reflexão é uma qualidade que não se liga o tempo inteiro aos esquemas. Quando isto acontece, é sinal de que a competência se transformou num hábito, ou habilidade. No entanto, o hábito não faz de quem o desenvolveu uma pessoa menos competente, mas sim alguém que pode recorrer à competência num momento de necessidade. “Quanto mais especialista, menor o raciocínio e maior o apelo para conhecimentos pertinentes e funcionalmente estruturados” (Bastien).

Competência, savoir-faire, recursos

Três significados para savoir-faire, segundo Perrenoud:

- representação procedimental, esquema da ordem da representação, saber-fazer;
- savoir Y faire, esquema com certa complexidade, no estado prático, que procede geralmente de um treinamento (à maneira do patinador, do virtuoso, do artesão, cujos gestos tornaram-se uma segunda natureza e fundiram-se no hábito).
- competência elementar, uma parte da ação manual.

Perrenoud escolhe a segunda definição: Savoire y faire. Pelos motivos abaixo:

- um savoir-faire já existe no estado prático, sem estar sempre ou imediatamente associado a um conhecimento procedimental.
- todo savoir-faire é uma competência, porém uma competência pode ser mais complexa, aberta, flexível do que um saber-fazer e estar mais articulada com conhecimentos teóricos.
- um savoir-faire pode funcionar como recurso mobilizável por uma ou mais competências de nível mais alto.

Le Boterf (idealizador do conceito de mobilização), define a competência como um saber-mobilizar.

Para Perrenoud, que contesta a idéia acima, a mobilização de recursos cognitivos não significa saber-fazer ou um procedimento de mobilização codificado.

“No processamento de uma situação complexa, talvez a mobilização de diversos recursos cognitivos não seja uma invenção totalmente espontânea e original, pois ela passa por uma série de operações mentais que atualizam esquemas e, às vezes, aplicam métodos. A ‘gestão mental’, a ‘programação neurolingüística’ e os diversos métodos de educação pretendem, justamente, ajudar o sujeito a tomar consciência de seus mecanismos de pensamento, para dominá-los melhor.”

“Nenhum recurso pertence, com exclusividade, a uma competência, na medida em que pode ser mobilizado por outras. Dessa forma, a maioria de nossos conceitos é utilizável em muitos contextos e está a serviço de muitas intenções diferentes. Ocorre o mesmo com parte dos nossos conhecimentos, nossos esquemas de percepção, de avaliação e de raciocínio.”

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