A autora inicia a exposição do seu referencial teórico com o conceito de BUSCA, que ela equivale a APROPRIAÇAO.
A seguir ela apresenta o conceito de COMPETÊNCIAS de Philippe Perrenoud, correlacionando-a com o conceitode INFORMATION LITERACY, tal qual apresentada pela American Library Association e IFLA. A seguir a autora apresenta e descreve outros programas de aprendizagem através do mundo, como o BIG SIX, o programa de Carol Kulthau (1), o programa da EBSI canadense e da FABDEN francesa. Ela mostra o quão incipiente esta questão é estudada no Brasil (mostra que na USP há apenas uma dissertação de Mestrado). (2)
Diante deste quadro, a autora afirma:
A expressão busca de informação, refere-se apenas a procedimentos de identificação, localização, processamento e comunicação de informações, tendo em vista o estudo ou a tomada de decisão sobre algum problema, previamente identificado e definido pelo interessado.
Na prática informacional, a busca refere-se a:
Localização dos recursos informacionais
Localização das informações no interior da fonte informacional
No mundo contemporâneo, diante da avalanche de informações, chegar às fontes é um complexo percurso que implica:
Reconhecer a existência de um dispositivo capaz de fornecer o que se deseja
Poder acessar e saber articular-se no interior do dispositivo
Dominar o funcionamento das ferramentas nas quais a informação está guardada
Saber como perguntar ao dispositivo
Saber ler a resposta
Saber combinar perguntas e respostas para continuar o percurso no dispositivo até atingir o objetivo almejado
Além disso (...) a busca da informação apresenta uma dimensão operatória complexa, constituída tanto de aspectos práticos como subjetivos e culturais. Para a apropriação das representações (...) é preciso... saber, querer, poder. Dado o contexto informacional vigente, pó e der apropriar-se implica competência de busca dos e nos dispositivos e formação de atitudes que levem o sujeito a lançar-se de modo ativo sobre o conhecimento. Dentre essas competências identifica-se:
Domínio de ferramentas técnicas e tecnológicas
Capacidades cognitivas compatíveis com a natureza das relações materiais e simbólicas em articulação nos dispositivos
Domínio na linguagem
Comportamentos e atitudes de recepção interessada e ativa
Iniciativa
Capacidade de julgar e tomar decisões apropriadas com o fim desejado
O comentário da autora a respeito da busca como uma questão mitológica é felicíssimo, poético e emocionante:
“A mitologia nos ensina a importância da busca para a construção dos sujeitos.
(...)
A busca é, portanto, um procedimento fundamental do conhecimento em todas as suas dimensões, propiciando a apropriação do mundo e seus segredos pelo herói, bem como a constituição do herói como sujeito único e singular. O eu e o mundo se integram na e pela busca.
Pela metáfora do mito somos ajudados a compreender que busca de informação em educação deve opor-se ao automatismo dos comportamentos próprios de um mundo anestesiado pela velocidade, imediatismo, excesso de informação, devendo ser tomada em dimensão que transcende a natureza instrumental e pragmática do acesso a registros.”
Outro comentário relevante, conseqüência desta citação acerca da busca arquetípica do herói e a questão de que a preocupação com o desenvolvimento das competências devem se aliar com a busca do significado:
“A educação para a informação enfatiza sobremaneira a importância do domínio e desenvolvimento de operações para o uso da informação e de seus dispositivos, tendo em vista a otimização do uso dos recursos informacionais.
Por outro lado, a emergência desta área no âmbito mundial deve-se, entre outras razões, à aparente falta de sentido para as aplicações da memória social e do conhecimento no âmbito do cotidiano da vida das novas gerações.
Neste sentido, restringir-se na educação para a informação, ao enfoque exclusivo das competências, poderá significar o abandono da interrogação sobre o sentido da informação, os significados sociais e pessoais do conhecimento.
(...)
Se a literatura especializada que trata da educação para a informação supera a visão instrucional da educação do usuário (...) abstrai contudo os quadros socioculturais em que tais processos ocorrem. Desse modo (...) os dispositivos aparecem como instrumentos neutros, pano de fundo. Subtrai-se, com isso, a problemática dos dispositivos, sua ordem e ações, sua condição de signo.”
A seguir a autora remete-nos a dura realidade dos tempos contemporâneos, onde a cibercultura ou o cibermundo (LEVY X VIRILIO) impõe-se, com todas as características e implicações já estudadas.
É neste contexto que a autora apresenta-nos o conceito de DISPOSITIVO, como sendo:
“Uma instância, um local social de interação e de cooperação com suas intenções, seu funcionamento material e simbólico, enfim, seus modos de interação próprios.”
Segundo a a autora:
“A natureza material e simbólica do dispositivo, se aplicado ao campo da informação e do conhecimento, permite constatar que o indivíduo não é mais o centro exclusivo dos processos de significação do mundo, passando a partilhá-los com os objetos, os artefatos, as ferramentas, e os não-humanos em geral”.
(...)
Então, como ocorre na Pedagogia, a questão que se aborda hoje não é a transmissão de conhecimentos, mas “a lógica da experimentação do saber”
“O indivíduo autônomo é alguém que se orienta no dispositivo, a partir de sua vontade e intencionalidade e do acúmulo de conhecimentos próprios. Esta noção introduz a perspectiva de construção na relação de aprendizagem por meio do dispositivo técnico, idéia que se opõe a noção de recepção passiva de conhecimentos.”
(...)
O dispositivo é, portanto, signo, mecanismo de intervenção sobre o real, que atua por meio de formas de organização estruturada, utilizando-se de recursos materiais, tecnológicos, simbólicos e relacionais, que atingem os comportamentos e condutas afetivas, cognitivas e comunicativas dos indivíduos.
(...)
Dispositivos de transmissão e comunicação, tais como as bibliotecas, que se utilizam de meios técnicos, linguagens e formas de interação intencionais, ao visarem a relação entre sujeitos e realidade, não são meros suportes de informação isentos. Ao contrário, sua configuração física, seus recursos, formas e práticas transformam seu discurso, sua estrutura e os modos de interação entre os sujeitos que lá atuam em ordem.”
A autora fala da necessidade, não só de se saber atuar nos atuais dispositivos, mas, mais do que isso, tendo em vista a apropriação das informações e não mera assimilação, a criação de novos dispositivos.
E agora... a biblioteca como dispositivo...
Após uma descrição da Biblioteca Álvaro Guerra que em muitos aspectos lembrou-me da Biblioteca onde trabalho, tais como a prioridade no atendimento aos escolares e na pesquisa e empréstimo, o acervo quase que totalmente formado de material impresso, a autora afirma que:
“Evidencia-se assim a importância das preocupações e das novas abordagens dos dispositivos, uma vez que existe um quadro concreto de problemas sociais, semióticos e técnicos a ser tratado, não somente visando à melhoria das condições atuais, mas, sobretudo, sua ressignificação, a partir de questões colocadas face a problemática da busca e apropriação de conhecimento por crianças e jovens.”
A seguir a autora comenta a respeito da questão da descontextualização da informação, que, descarnada da realidade, torna-se coisa, objeto, mercadoria.
Ela tece comentários acerca da dualidade da visão computacional x culturalista exposta por BRUNER, traça um rápido panorama acerca do desenvolvimento da descontextualização informacional. Ela comenta:
“O processo torna-se especialmente problemático no caso de escolares, como os que freqüentam nossas bibliotecas públicas. O conhecimento... que vão buscar foi produzido a partir de referenciais e circuitos culturais que não dominam, o que torna os discursos não apenas incompreensíveis, mas sem significado para suas vidas concretas... Receptores não-pertencentes aos circuitos da produção informacional, mas que por força da necessidade ou do desejo submetem-se, como naus a deriva, aos incertos e confusos percursos a procura de informação, os alunos, destituídos de referências culturais indispensáveis, necessários aos processos de significação, não têm idéia do que fazem na biblioteca, do que buscam, como e por que buscam, satisfazendo-se com o mínimo que obtém, simplesmente para desincumbir-se de suas obrigações.”
Depois de um ano trabalhando numa biblioteca pública, posso atestar que isso é verdade!! O pior é que agora os alunos mandam suas mães, muitas vezes analfabetas funcionais, para fazer a pesquisa no lugar deles...
A autora cita Burke e Morin para falar de outro problema educacional: a fragmentação do conhecimento.
Ela conclui dizendo que:
"A superação desta descontextualização e pulverização não se dá entretanto com a mera abordagem de conteúdos e o desenvolvimento de repertórios, mas com conhecimento e domínio dos dispositivos, suas técnicas, linguagens, interações que permitem desenvolver tanto competências quanto atitudes necessárias à transformação da massa informacional, por meio de sucessivas e permanentes negociações entre a informação, o meio e os sujeitos."
(1) Para saber mais a respeito desta metodologia, veja:
KUHLTHAU, Carol Collier. Como usar a biblioteca na escola. Belo Horizonte, Autêntica, 2002. 304p.
(2) Para saber mais a respeito de estudos de information literacy aqui no Brasil, veja:
PASSOS, Rosemary & SANTOS, Gildenir Carolino (org.) Competência em informação na sociedade da aprendizagem. 2a.ed., Ribeirão Preto, Kayros, 2005. 120p.
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