domingo, 11 de maio de 2008

Resumo de A noção de competência, de Philippe Perrenoud

Boa noite!
Espero que todos estejam bem!!
Devo dizer que vi-me num conflito enquanto lia os capítulos: para mim foi difícil ler um texto que de antemão sei que será refutado em aula. Outra coisa, senti uma relutância inacreditável ao ler o texto, uma má-vontade que não senti na leitura dos demais: sempre ouvi dizer que esta história dos ciclos e da aprovação automática foi idéia dele e sempre tive horror e ojeriza em relação a ele. Só no ano passado, numa palestra de Jung Mo Sung, que descobri que o Estado brasileiro implantou as idéias dele pela metade. Bom, é isso.
De qualquer forma, engoli seco e fiz um resumo do que entendi do capítulo 1, pois do capítulo 2, nem quis saber.
Um beijo!!
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PERRENOUD, Philippe. A noção de competência. IN: Construir competências desde a escola. Porto Alegre, ARTMED. P.19-32

O autor pretende conservar uma definição explícita do conceito de competência.

Ele anota 3 pistas falsas, ou seja, 3 versões aceitáveis da noção de competência, mas que não acrescentam muito:
1. Competência como objetivo
2. Competência como noção oposta a noção de desempenho
3. Competência como uma faculdade genérica, uma potencialidade de qualquer mente humana

Para Perrenoud as competências são aquisições, aprendizados construídos.

Construir uma competência significa aprender a identificar e a encontrar os conhecimentos pertinentes.
Só há competência estabilizada quando a mobilização dos conhecimentos supera o tatear reflexivo ao alcance de cada um e aciona esquemas constituídos.
Ocasionalmente, associam-se os esquemas a simples hábitos. De fato, os hábitos são esquemas, simples e rígidos, porém, nem todo esquema é um hábito. Em sua concepção piagetiana, o esquema, como estrutura invariante de uma operação ou de uma ação, não condena a uma repetição idêntica. Ao contrário, permite, por meio de acomodações menores, enfrentar uma variedade de situações de estrutura igual. O esquema é uma ferramenta flexível.
Os esquemas são adquiridos pela prática, o que não quer dizer que não se apóiem em nenhuma teoria. Conservam-se, assim como todos os outros, no estado prático.
Ao nascermos, dispomos de alguns poucos esquemas hereditários e, a partir destes, construímos outros de maneira contínua. O conjunto dos esquemas constituídos em dado momento de nossa vida forma o que os sociólogos, como Bourdieu, chamam de habitus, definido como um pequeno lote de esquemas que permitam gerar uma infinidade de práticas adaptadas a situações sempre renovadas, sem jamais se constituir em princípios explícitos, ou ainda, um sistema de disposições duráveis e transponíveis que integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, apreciações e ações e torna possível a execução de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas que permitem resolver os problemas da mesma forma.

Uma competência seria, então, um simples esquema?
Perrenoud afirma que ela orquestra um conjunto de esquemas.

No estágio de sua gênese, uma competência passa por raciocínios explícitos, decisões conscientes, inferências e hesitações, ensaios e erros. Esse funcionamento pode automatizar-se gradativamente e constituir-se, por sua vez, num esquema complexo, num novo componente estável desse inconsciente prático, de acordo com Piaget.

Desse modo, os esquemas complexos podem ser montagens de esquemas mais simples, e assim por diante, num sistema de bonecas russas. Para chegar à tamanha automatização de funcionamentos cognitivos, é preciso uma fortíssima redundância de situações semelhantes. Embora compatíveis com uma automatização total ou parcial, as competências não a tornam obrigatória.


Ligar o desconhecido ao conhecido, o inédito ao já visto, está na base de nossa relação cognitiva com o mundo; porém, a diferença está em que, às vezes, a assimilação ocorre instantaneamente, a ponto de parecer confundir-se com a própria percepção da situação e, outras vezes, precisa-se de tempo e de esforços, ou seja, de um trabalho mental, para apreender uma nova realidade e reduzi-la, ao menos em certos aspectos e de maneira aproximativa, a problemas que se sabe resolver.

Um especialista é competente porque simultaneamente:
Domina, com muita rapidez e segurança, as situações já comuns, por ter a sua disposição esquemas complexos que podem entrar imediata e automaticamente em ação, sem vacilação ou reflexão real
É capaz de, com um esforço razoável de reflexo, coordenar e diferenciar rapidamente seus esquemas de ação e seus conhecimentos para enfrentar situações inéditas

Em contextos diversos, competência e saber fazer parecem noções intercambiáveis. O autor opta pela designação savoir y faire (um esquema com uma certa complexidade, existindo no estado prático, que procede em geral de um treinamento intensivo) com 3 consequências:
Um savoir-faire já existe no estado prático, sem estar sempre ou imediatamente associado a um conhecimento procedimental. No entanto, se corresponder a um conhecimento procedimental, poderá gerar, por automatização, uma simplificação e um enriquecimento progressivos. Inversamente, um procedimento pode resultar da codificação de um saber-fazer preexistente no estado prático.
Todo savoir faire é uma competência, porém, uma competência pode ser mais complexa, aberta, flexível do que um saber-fazer e estar mais articulada com conhecimentos teóricos.
Um savoir-faire pode funcionar como recurso mobilizável por uma ou mais competências de nível mais alto.

Uma competência pressupõe a existência de recursos mobilizáveis, mas não se confunde com eles, pois acrescenta-se aos mesmos ao assumir sua postura em sinergia com vistas a uma ação eficaz em determinada situação complexa.
Nenhum recurso pertence, com exclusividade, a uma competência, na medida em que pode ser mobilizado por outras. Dessa forma, a maioria de nossos conceitos é utilizável em muitos contextos e está a serviço de muitas intenções diferentes. Ocorre o mesmo com parte de nossos conhecimentos, nossos esquemas de percepção de avaliação e de raciocínio.

Uma competência pode funcionar como um recurso, mobilizável por competências mais amplas. Assim, para chegarmos a um meio-termo, identificarmos uma expectativa, encontrarmos um ponto de entrada no sistema de pensamento de um interlocutor ou percebermos suas intenções, mobilizamos uma competência mais estreita, que pode ser chamada de ‘saber escutar um interlocutor ativamente e com empatia’. Por sua vez, essa competência mobiliza outras ainda mais específicas, por exemplo, ‘saber colocar uma boa pergunta’. Esse encaixe de bonecas russas dificulta particularmente a construção de listas fechadas – ou blocos – de competências, obstáculo esse que voltaremos a encontrar a propósito dos programas escolares. Por ora, insistimos nessa dupla face de toda competência, que pode, conforme o momento, mobilizar recursos ou funcionar como recurso em proveito de uma competência mais ampla.

A maioria de nossas competências é construída em circunstâncias menos dramáticas, mais lentamente, por meio de situações semelhantes o bastante para que cada uma possa contribuir na construção progressiva de uma competência esboçada. Assim, desde o nascimento, deparamo-nos com situações de estresse, frustração, incerteza, divisão, expectativa que, para além das diferenças, formam, pouco a pouco, certos conjuntos, os quais intuímos. Um conjunto de situações esboça-se de maneira empírica e pragmática.

Em relação a isso, as competências profissionais são privilegiadas, na medida em que as situações de trabalho sofrem as fortes exigências do posto, da divisão das tarefas e, portanto, reproduzem-se dia após dia, enquanto em outros campos de ação são maiores os intervalos entre situações semelhantes. Ou seja, no registro profissional, as competências constroem-se a uma velocidade maior.

As competências de uma pessoa constroem-se em função das situações que enfrenta com maior freqüência.

Portanto, o sucesso depende de uma capacidade geral de adaptação e discernimento, comumente considerada como a inteligência natural do sujeito. Nem todas as situações são tão simples assim. É verdade que uma pessoa com grandes meios de observação, de análise e de experimentação conseguirá livrar-se, honrosamente, de um grande número de situações inéditas, porém não será suficiente para fundar uma ação especializada, em particular, rápida e econômica.

Num sentido, a habilidade é uma inteligência capitalizada, uma seqüência de modos operatórios, de analogias, de intuições, de induções, de deduções, de transposições dominadas, de funcionamentos heurísticos rotinizados que se tornaram esquemas mentais de alto nível ou tramas que ganham tempo, quem inserem a decisão.

A ligação de uma situação com um conjunto lógico permite, até certo ponto, enfrentar o desconhecido, associando-o ao conhecido, desde que uma forma de intuição analógica permita uma transferência a partir de experiências anteriores ou de conhecimentos gerais. Conforme mostram os estudos de psicologia cognitiva sobre a formação de conceitos, a assimilação de um objeto singular de uma classe lógica não é evidente e já constitui o esboço de uma competência.

Longe de serem evidentes e instantâneas, as analogias resultam de uma elaboração e de uma busca. A analogia fica evidente e instantânea somente nos casos mais simples, que dependem de esquemas quase automatizados. A competência consiste mais notadamente em detectar, pouco a pouco, analogias que não se mostram a primeira vista.

Esse funcionamento cognitivo pertence tanto à ordem da repetição como a ordem da criatividade, pois a competência, ao mesmo tempo em que mobiliza a lembrança das experiências passadas, livra-se delas para sair da repetição, para inventar soluções parcialmente originais, que respondem, na medida do possível, à singularidade da situação presente. A ação competente é uma invenção bem-temperada, uma variação sobre temas parcialmente conhecidos, uma maneira de reinvestir o já vivenciado, o já visto, o já entendido ou o já dominado, a fim de enfrentar situações inéditas o bastante para que a mera e simples repetição seja inadequada. As situações tornam-se familiares o bastante para que o sujeito não se sinta totalmente desprovido.

A competência situa-se além dos conhecimentos. Não se forma com a assimilação de conhecimentos suplementares, gerais ou locais, mas sim com construção de um conjunto de disposições e esquemas que permitem mobilizar os conhecimentos na situação, no momento certo e com discernimento.

Na escola, os alunos aprendem formas de conjugação, fatos históricos ou geográficos, regras gramaticais, leis físicas, processos, algoritmos para, por exemplo, efetuar uma divisão por escrito ou resolver uma equação do segundo grau. Mesmo de posse desses conhecimentos, eles saberão em que circunstâncias e em que momento aplica-los? É na possibilidade de relacionar, pertinentemente os conhecimentos prévios e os problemas que se reconhece uma competência. As observações didáticas mostram que a maioria dos alunos extrai da forma e do conteúdo das instruções recebidas índices suficientes para saber o que fazer, ou seja, parecem competentes.

O QUE ESTÁ EM JOGO NA FORMAÇÃO

Concebidas dessa maneira, as competências são importantes metas da formação. Elas podem responder a uma demanda social dirigida para a adaptação ao mercado e às mudanças e também fornecer os meios para apreender a realidade e não ficar indefeso nas relações sociais.

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