Por Maria Fernanda Salles de Aguiar
Para começo de conversa, antes de dar início a resumo, resenha ou qualquer que seja a modalidade mais adequada de avaliação escrita dos textos sugeridos para a próxima aula, gostaria de dizer que à maneira do que o próprio autor propõe no livro, a leitura destes textos provocou em mim uma sensação de “experiência profunda” (com o perdão da pieguice), do tipo experimentado pela melhor literatura. Vem daí a dificuldade que sinto de discorrer sobre os temas abordados ali, por inútil, por insignificante que me soe este esforço, uma vez que o autor diz, por meio deles, tanto e tão profundamente. O que não invalida o sempre louvável exercício da reflexão.
A narrativa, para Benjamin, é o relato da experiência vivida, a transmissão de informações significativas, que se compõem com a experiência do ouvinte e produz uma nova experiência, ligada à realidade prática. Ele diz, logo no começo do primeiro texto, que a narrativa está em vias de extinção e que “são cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente” (pg. 197). Essa afirmação, muito instigante a meu ver, remete o leitor à análise da forma como nos relacionamos com a informação nos dias de hoje, ou seja, algo que de certa forma pode ser resumido nas expressões “comunicação de massa” e “sociedade da informação”.
Será que as sociedades perderam a habilidade de gerar comunicação legítima e verdadeira em nome de uma informação-produto-de-consumo? Que tipo de estímulo e que veículos seriam capazes de levar a uma comunicação significativa, à exemplo da experiência literária de Leskov, conectada com as pessoas, seu lugar e seu tempo?
Embora afirme que “as ações da experiência estão em baixa, e tudo indica que continuarão caindo até que seu valor desapareça de todo” (pg. 198), Benjamin ressalta que a forma de narrar se altera através dos tempos, gradativamente, de acordo com a história da civilização e seus modos de produção. O autor deixa claro que o processo de extinção da “verdade épica” não se trata de saudosismo, de desvalorização do presente em detrimento de um passado inalcançável.
“Nada seria mais tolo que ver nele um ‘sintoma de decadência’ ou uma característica ‘moderna’. Na realidade, esse processo, que expulsa gradualmente a narrativa da esfera do discurso vivo e ao mesmo tempo dá uma nova beleza ao que está desaparecendo, tem se desenvolvido concomitantemente com toda uma evolução secular das forças produtivas.” (pg.201)
Sabemos, atualmente, que os modos de produção na sociedade de massa determinam os meios de comunicação e que estes se transformaram em instrumentos fundamentais para a perpetuação da cultura de consumo num sistema que, não me parece exagerado afirmar, engole toda e qualquer cultura.
“Se a arte da narrativa é hoje rara, a difusão da informação é responsável por este declínio”, afirma o autor. E embora reconheça a pobreza de um sistema de informações que, segundo Benjamin, nos reserva o papel de mero leitor de “fatos que já chegam acompanhados de explicação” (pg. 203), fico aliviada de me lembrar da existência de teorias comunicativas que entendem o sujeito como um interlocutor capaz de produzir cultura na interação com os meios de comunicação (Stuart Hall, Jesús Martín Barbero) – ainda que Benjamin não esteja aludindo, neste caso, aos meios de comunicação propriamente ditos, mas à evolução das formas narrativas na nossa civilização, cuja evolução coincide com a incrível expansão dos meios.
Diante das peculiaridades da vida de Benjamin e da estatura da obra que produziu, procuro imaginar como ele se posicionaria diante das questões que se apresentam com o advento e o desenvolvimento da Internet.
Vislumbro a possibilidade de haver esperança quanto a isso, em seu próprio texto, quando ele fala sobre a reminiscência, “que funda a cadeia da tradição e transmite os acontecimentos de geração em geração”. Sobre a reminiscência ele diz:
“Ela inclui todas as variedades da forma épica. Entre elas, encontra-se em primeiro lugar a encarnada pelo narrador. Ela tece a rede que em última instância todas as histórias constituem entre si. Uma se articula na outra, como demonstraram todos os outros narradores, principalmente os orientais. Em cada um deles vive uma Scherazade, que imagina uma nova história em cada passagem da história que está contando. Tal é a memória épica e a musa da narração. (...) Em outras palavras, a rememoração, musa do romance, surge ao lado da memória, musa da narrativa, depois que a desagregação da poesia épica apagou a unidade de sua origem comum na reminiscência”. (pg. 211)
Não obstante estas considerações, penso que Benjamin tinha uma visão absolutamente fatalista sobre a capacidade de evolução da civilização humana. O trecho a seguir, do texto complementar “Experiência e pobreza”, apresenta uma visão da inexorabilidade da nossa história:
“Pobreza de experiência: não se deve imaginar que os homens aspirem a novas experiências. Não, eles aspiram a libertar-se de toda experiência, aspiram a um mundo em que possam ostentar tão pura e tão claramente sua pobreza externa e interna, e que algo de decente possa resultar disso. Nem sempre eles são ignorantes ou inexperientes. Muitas vezes, podemos afirmar o oposto: eles ‘devoraram’ tudo, a ‘cultura’ e os homens, e ficaram saciados e exaustos”. (pg.118)
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