BRUNER, J. O estudo adequado do homem. IN: _____. Atos de significação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 15-38.
No prefácio de seu livro Atos de Significação, Jerome Bruner nos apresenta uma linda metáfora: os livros são como cumes de montanhas que emergem do mar. Mas, conquanto possam parecer ilhas inteiramente separadas , são elevações ligadas por uma geografia submersa que é,a um só tempo,localizada e parte de um padrão universal.Isto me lembrou J. L. Borges e sua biblioteca de areia, sem começo nem fim, modificando-se com o vento que move a corda bamba,todos os livros do mundo compondo um único livro de um único autor.
Como reconciliar as visões do Homem como indivíduo singular com as visões de si próprio tanto como uma expressão da cultura como quanto um organismo biológico?
Impossível não estabelecer relação entre o discurso de Edgar Morin ( Os Sete Saberes...) com o de Bruner, e suas tentativas de compreender o Homem com um ser não apenas biológico,mas sobretudo cultural. Bruner afirma que o que deseja neste seu livro é argumentar que a cultura e a busca por significado são a mão modeladora, a biologia seria a restrição e que caberia á cultura o poder de afrouxar estas limitações.
Bruner volta ao século XIX e ao estilo laboratorial da psicologia positivista (reducionismo, previsão, explicação causal) e, a partir daí, compara a psicologia com suas disciplinas irmãs nas ciências humanas que se abriram a novas questões sócio-culturais e históricas contra o estreitamento que tomou a psicologia no mesmo período . Parte deste princípio e daí formula sua’ Psicologia Cultural’.
O centro de sua questão é verificar ,comparativamente, o que seria a ‘natureza humana’ e o que seria expressões de diferentes culturas.Tocando em assuntos tabu como mente, estados intencionais , significado , construção da realidade ,regras mentais,formas culturais e similares tem como objetivo enfatizar a produção de significados e o lugar central que ela ocupa na ação humana: o que o homem faz de seu mundo, dos seus semelhantes e de si mesmo.
Seu livro subdivide-se em quatro capítulos : O Estudo Adequado do Homem;A Psicologia Popular como um Instrumento da Cultura;Ingresso no Significado;Autobiografia e Si- Mesmo.Tratarei aqui das principais idéias do primeiro capítulo.
O ator toma como ponto de partida a Revolução Cognitiva ,que procurou trazer a mente de volta às ciências , após longa fase de obscurantismo.Bruner percorre o caminho desde o exame retrospectivo da revolução cognitiva e seu impulso originário até voltar-se à exploração preliminar de uma revolução cognitiva renovada—uma abordagem mais interpretativa e cognição,interessada na produção de significado que tem se mostrado prolífica na antropologia lingüística, filosofia, teoria literária,e na psicologia.
Seu impulso originário seria descobrir e descrever finalmente os significados que os seres humanos criavam a partir de seus encontros com o mundo e então levantar hipóteses sobre que processos de produção de significados estavam implicados.Na revolução cognitiva originalmente concebida a psicologia une forças com ciências humanas irmãs e até mesmo com o Direito, num esforço não apenas para reformar,mas para substituir o comportamentalismo.Entretanto, este impulso inicial tornou-se fragmentado , tecnicizado e ,muito cedo , a ênfase começou a mudar do ‘significado’ para ‘informação’, da construção do significado para o processamento de informações. Para tanto,o fator central para esta mudança foi a introdução da computação e a informatização como metáfora do bom modelo teórico.
Ora, numa informação o significado é previamente atribuído às mensagens. A partir de uma unidade de controle central, pode-se manipular informações predeterminadas : listar, ordenar, combinar; sem perceber diferenças entre tais informações. Tal sistema não seria capaz de lidar com a imprecisão, com a polissemia, metáforas. Contudo, na década de 50, os computadores e a teoria computacional tornaram-se a ‘metáfora - raiz ‘ para o processamento das informações e a computação tornou-se o modelo da mente: os processos cognitivos foram igualados aos programas. Assim, o interesse da psicologia acadêmica desviou-se da mente e do significado para computadores e informação.Este novo reducionismo forneceu um programa libertário para a ciência cognitiva –livraram-se dos processos mentais e dos significados. Estímulos e respostas são agora substituídos por input e output.
Estados mentais e intencionalidade foram sistematicamente atacados, assim como o conceito de agenciamento ,que implica a condição da ação sob a influência de estados intencionais,uma espécie de livre arbítrio para os deterministas.
Começando a segunda parte do capítulo com o conceito de cultura, Bruner a compara com um kit de ferramentas para, posteriormente, concluir que “sem o papel constitutivo da cultura somos monstruosidades não trabalháveis, animais incompletos ou inacabados.” Segundo o autor, a psicologia foi lenta em captar plenamente o que o surgimento da cultura significou para adaptação e para o funcionamento humanos:” produto da história, e não da natureza, a cultura agora tornou-se o modelo ao qual nós tínhamos que nos adaptar e o kit de ferramentas para fazer isso”.
Assim como nosso meio de vida culturalmente adaptado depende da partilha de significados e conceitos também dependeria de modos compartilhados de discursos para negociar diferenças de significado e interpretação.
Segundo Bruner, a psicologia popular inclui a teoria da mente.Além disso, lida com a natureza, a causa e conseqüências dos estados intencionais.Apesar de mudar e não ser sempre a mesma ,ela muda com as transformações culturais que ocorrem em resposta ao mundo e às pessoas que vivem nele.Tal psicologia , a popular, causou alarme quando elevou a subjetividade a um status explicativo. “ Em uma psicologia de orientação cultural dizer e fazer representam uma unidade de funcionamento inseparável”.O relacionamento entre agir e dizer é interpretável no contexto da conduta comum da vida.
Quando relações canônicas são violadas, há procedimentos de negociação para retomarmos o caminho habitual:isso é o que torna central em sua psicologia cultural a interpretação e o significado.Bruner deixa claro que isto não invalidaria a busca por universais humanas.Esclarece também que na versão falaciosa do século XIX a cultura foi concebida como sobreposta à natureza humana biologicamente determinada: “ ao contrário,o substrato biológico e as universais da matéria humana exercem, no máximo,uma restrição ou uma condição”.
Nossos desejos e as ações que praticamos em seu nome são intermediados por meios simbólicos. Neste sentido,se a realidade é uma construção de um ponto de vista “devemos focalizar a atenção onde ela é devida, isto é, não sobre nossas limitações biológicas, mas sobre nossa inventividade cultural”.
Encerrando seu primeiro capítulo de Atos de significação, Bruner nos sugere que a mentalidade aberta é a pedra fundamental do que denomina cultura democrática. O construtivismo da psicologia cultural exige que sejamos conscientes de como alcançamos nossos conhecimentos e o mais conscientes que pudermos sobre os valores que nos conduzem aos nossos pontos de vista .
Observação: meu estado intencional era o de entregar esta resenha no sábado...mas a faceta biológica do ser humano foi minha restrição...
Karen Kipnis
segunda-feira, 28 de abril de 2008
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