terça-feira, 25 de março de 2008

ESTRATÉGIA DA DECEPÇÃO_resenha de luciana rodrigues

ESTRATÉGIA DA DECEPÇÃO

Resenha de Luciana Rodrigues sobre obra ESTRATÉGIA DE DECEPÇÃO de Paul Virilio. Ed. Estação Liberdade, 2000


No ano de 2000 o filósofo francês Paul Virilio lançou um livro considerado por muitos como uma visão premonitória do que vulgarmente chamamos de “O 11 de setembro”, onde mostrou que os novos conflitos militares deslocaram-se do estado da ação para o estado da decepção, caracterizado pelo automatismo de nefastos procedimentos industriais e científicos que podem vir a prescindir de qualquer escolha política.
Estratégia da Decepção possui quatro crônicas bastante perturbadoras, que chamam a atenção para um momento ímpar de transição mundial, marcado por informações da região do Afeganistão captadas exclusivamente por satélites, como campo de testes para novos métodos, industriais, científicos e, fundamentalmente, militares, dos Estados Unidos da América, que não deixam espaço para dúvidas, para quaisquer países, sobre a sua superioridade.
Tais ações de guerra foram envoltas em um manto humanitário, mesmo que contra deliberações da ONU, para “libertar” os Bálcãs e o Afeganistão das práticas terroristas de seus governos, mesmo que os maiores prejudicados fossem, como se deu, os próprios kosovares e os afegãos, como demonstra o autor, invertendo o amplamente divulgado pelos EUA na mídia internacional. Ele destaca:
Quando a arquitetura das leis de salvaguarda se transforma em ameaça é difícil acreditar imediatamente na desqualificação- no estado flagrante- de jurisdições que são a herança de uma ordem estabelecida já antiga. Nos Bálcãs já não se tratava, para os Estados Unidos, de instaurar a guerra justa, mas uma guerra legítima, ou até legalista- em função dos interesses da última superpotência do mundo e de sua supremacia absoluta, principalmente nos domínios da vigilância e da informação por meio de satélites. (VIRILIO, 2000: 80)

A primeira etapa dessa mudança de contexto seria a da existência de armas nucleares nas mãos de duas grandes potências, o que coibia os estados de exercerem práticas que pudessem levar a conflitos em grandes proporções. A nova realidade mundial, ao contrário da bipolaridade dos blocos, sinaliza para a existência de um só estado, cuja hegemonia se vale essencialmente das informações de desenvolvimento de tecnologias militares e informação de controle de satélites, como seu maior trunfo.
A Guerra dos Bálcãs seria, então, um marco do que Virilio denominou Information warfare, um conflito militar informacional, em substituição ao Eletric warefare, o conflito militar eletrônico como o que se deu no Iraque.
A guerra da informação seria a soma dos, já usados, mísseis teleguiados às novas informações de satélites, transmitindo imagens dos locais, identificação de movimento de tropas e dos armamentos utilizados.
A guerra das imagens, típica da Guerra do Golfo, se tornou obsoleta em Kosovo, substituída pelo que o autor chama de “policiamento de imagens”. Esse policiamento, que causou panes em redes elétricas, vitimou a rede de televisão iugoslava e minou as comunicações do governo sérvio com a população, também trouxe aparelhos de radiodifusão capazes de se comunicar diretamente com essa mesma população.
Paul Virilio salientou que a acusação feita pela Organização do Tratado do Atlântico Norte- Otan- de que a Iugoslávia estaria violando os direitos humanos em Kosovo era, na verdade, uma estratégia, para utilizar a Bomba de Grafite e o bombardeio desproporcional, tendo como alvo a população civil servo- croata, em proporções de limpeza étnica “entreabrindo, desde já, a porta para limpezas étnicas capazes de substituir, com vantagem, a limpeza étnica de populações indesejáveis ou excedentes”. Kosovo seria, assim, um laboratório para um novo modelo de guerra, bastante próximo ao modelo nazista de ciência, uma guerra que pode tornar a máquina de guerra a própria decisão de guerra, uma máquina cuja perfeição está na sua autonomia, na auto-suficiência e na automação da dissuasão.
A Decepção, fruto de uma estratégia bem montada, seria uma soma da desinformação e da decepção, da incapacidade de distinguir o real do falso, como Virilio explicaria em uma entrevista concedida ao jornal a Folha de São Paulo no dia 06 de abril de 2003:
A palavra decepção foi usada em seus dois sentidos: o "desinformar", mais próximo do significado em inglês, e o "decepcionar", mais próximo do significado em francês [e em português". (...)
Estamos todos desinformados e desapontados. Essa guerra vem mostrando ser uma catástrofe. É uma guerra acidental, preventiva, que escapou de sua natureza substantiva, clausewitziana [do pensador prussiano Carl Phillip Gottfried von Clausewitz (1780-1831)", que seria a guerra como o prosseguimento da política por outros meios

No momento em que as ciências das tecnologias da informação, nisso incluindo a web, significam, ao contrário do que comumente se prega, um retrocesso às liberdades, o espaço democrático encontra-se fatalmente comprometido.

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